Cap 84- Quem?

“Que vontade de ser eterno”- dizia o momento. Brincar com os sorrisos apagados da alma por mais um segundo em que o nada faz parte do “para todo o sempre”...

 Roberta estuda os traços do rosto de Diego com o polegar. Ajeita sua sobrancelha que tem um pelinho desalinhado e faz um carinho leve, permanecendo durante todo o horário de almoço ao seu lado e sem acordá-lo.

 Havia se esquecido de sair dali, as pernas já estavam adormecendo, por estarem dobradas no chão frio, mas mesmo assim não consegue se levantar.

 Diego dá sinais de que despertará em poucos instantes, já aparenta um sono mais leve, o que faz Roberta pensar logo em sair dali. Ela se levanta e em seguida seu celular recebe uma mensagem. Diego acaba por acordar com o toque.

 A menina fica imóvel o vendo esfregar os olhos e encará-la.

-Você? –Ele acorda meio roco. –Que faz aqui?

-Nada.

 O rapaz se senta na cama sem olhar para ela, que cruza os braços um pouco distante de sua cama.

-Eu to bem...

-Quem disse que me importo?

-Então o que tá fazendo aqui? –Diego é direto.

-Vim dizer pra você deixar de ser idiota e cuidar da sua saúde!

 Roberta atravessa a porta batendo-a em seguida. Realmente estão em época de bater portas.

 No corredor ela passa por Pedro, Alice e Tomás que estão indo ao quarto de Diego para ver como ele está.

 Naquela tarde, o amigo ouve poucas e boas desses, que tanto haviam lhe avisado para não disputar essa bendita corrida, que não havia sido só de 1km, ele havia ultrapassado e muito os limites impostos pela medicina.

-Foi horrível te ver cair, cara! –Pedro revela.

-Eu me lembro de que quando comecei tava bem. –Diego conta. –O Pablo me olhava torto e a gente correu mais do que aguentava. Lembro que ganhei a primeira volta, mas ele não parou então continuou me desafiando e eu corri mais ainda.

-Perdi as contas de quantas voltas eu vi vocês dois darem naquela pista enorme. A gente ficou te gritando do lado de fora da cerca, mas parece que você nem tava escutando.

-Nem tava mesmo, Pedro. Eu tava louco de raiva, queria me provar, mas foi idiotice. Corri com tudo que podia, mas teve um momento que eu tava tão, mas tão cansado... Tudo começou a escurecer.

-Você caiu nessa hora. –Tomás lembra. –Aquele otário do Pablo nem fez nada pra ajudar!

-É, ele ficou lá numa boa enquanto você foi parar no pronto socorro! Você tinha que ter pensado, garoto, é a sua vida! Mas vocês homens só pensam em provar quem é mais forte! No fim, Pablo nem foi chamado na diretoria, você que ficou como inconsequente!

 Diego ouve calado, a bronca de Alice até que Pedro muda de assunto.

-Você e a Roberta ainda não se acertaram?

-Não.

-Diego, ela não te traiu!

-Ela te contou alguma coisa? –Ele encara Alice, curioso.

-Ela não me disse nada, vocês sabem como a Roberta é! Mas acredito nela, mesmo assim.

-Todos vocês pensam assim? –Diego os observa.

-Sim. –Eles respondem juntos.

-E você também.

-O que?

-Você também acredita nela. –Pedro continua. –Você só tá com o orgulho ferido, tá cheio de ciúme. Fala logo com a garota e deixa ela esclarecer o que houve, tenho certeza que aquele otário dopou a Roberta!

 Diego permanece pensativo com o que escuta dos amigos...

 A manhã não havia sido das mais tranquilas, mas a tarde parecia reservar algo também.

 A maioria dos alunos está na sala de estar depois da uma da tarde, alguns vendo tv, outros lendo, outros jogando... E outros ainda conversando futilidades.

 Roberta está fixa em seu livro, sentada no sofá frente à tv desligada, quando ouve algo que não quer.

-Ganhou bombom do sogrão, foi? –Maria cutuca Vitória no sofá de trás.

 Roberta tenta se concentrar na leitura, mas fica quase impossível conter as caras e bocas com a raiva que está sentindo.

-Então as fofocas são verdadeiras?

-Claro né Juju! O Diego é tudo de bom... Além de rico, é cavalheiro... Cheiroso... Tem uma pegada e um beijo!! –Ela se abanava para mostrar à Maria e Juju o seu fascínio.

 Vitória nunca havia sido santa e sempre adorou uma fama instantânea. Quem sabe isso não lhe daria algum status de: “Namorada do filho de um milionário”.

-Mas que babado!! Então o Diego pôs chifres na Roberta?

-Pra você ver, Maria! –Vitória se vangloria. –Ela se acha demais, acabou perdendo o gato!

-Quem se acha aqui minha filha? –Roberta chega até elas e percebe no susto, que não haviam notado sua presença naquela sala. –Anda, fala na minha cara se tiver coragem!

-Eu disse alguma mentira? Você acha que pode ter tudo, mas o Diego ficou foi comigo e te largou como uma roupa velha!

 Os gritos de Vitória quando Roberta agarrou fortemente seus cabelos soaram até nos corredores. As meninas tentavam apartá-las, mas parecia até perigoso chegar perto.

 Diego vem caminhando com Pedro quando percebe a gritaria de Vitória. Eles entram no meio e separam as duas.

-Ei, para com isso! –Diego puxa Roberta pela cintura e a retira de cima de Vitória que choraminga.

-Essa selvagem, sem noção, essa...!

-Cala sua boca, sua oferecida! –Roberta se zanga ainda mais. –Tem sorte de eu não acabar com você agora mesmo!

-Chega, vamos embora! –Diego segue puxando Roberta pelo corredor, seguro em seu braço, até que a rebelde se solta com um chacoalhão e foge.

-Roberta! –Ele grita enquanto a vê correr para o jardim.

 A garota corre e é seguida por ele, que a chama incessantemente. Roberta atravessa o gramado ofegante, olha para todos os lados e não sabe para onde ir. Até que sem pensar pega a trilha do quarto 16.

-Otto! –Roberta fecha a porta e procura o garoto. –Cadê você, pirralho?

 Ela se assusta ao ver a porta se escancarar.

-Não vai fugir agora. –Diego havia encontrado o caminho até ela e está cansado.

-Eu não quero falar com você...

 Olhos pintados com gotas cristalinas acumuladas. Ela tenta olhá-lo tranquila, de modo a não demonstrar que sua simples presença a afetava.

-Agora a gente vai conversar! –Ele agarra seu braço novamente.

-Eu não quero conversar! –A garota é arisca e se desprende. –Você me decepcionou! Não acreditou em mim! Não me deu nem um voto de confiança e depois ainda ficou com aquela “zinha”! –A lágrima teima em encher os olhos quando ela o percebe muito cansado.

-Diego, você tá bem? Você não podia! Tinha que ficar de repouso! –Ela pega em seu braço e o senta na cama.

-Não é verdade o que eu te disse. Eu não fiquei com a Vitória.

 Roberta para um segundo balançando a cabeça com os olhos perdidos.

-Não?

-Não. –Ele a olha profundo. –Depois de você não tem como haver outra, não cabe ninguém, porque depois que você apareceu, ocupou todo o espaço dentro da minha vida. Eu nunca ficaria com outra. Eu não preciso, eu não quero outra!

 Roberta vai olhando para suas próprias lembranças enquanto Diego fala, volta aos olhos dele e vê que estão vermelhos, como os seus, mas não consegue palavras para se expressar nesta cena.

 Ela vê as mãos dele vindo segurar seu rosto e não oferece resistência. Permite sentir as palmas das mãos firmando sua face e os dedos entrando nos cabelos quando a trás ainda mais perto.

-Eu não sei por que, mas eu não consigo realmente desconfiar de você.

 De tanto se morder de nervosismo, Roberta tem a boca avermelhada, úmida e viva. Boca que Diego está perto de tocar.

 A menina amolece os olhos e há um tímido encontro assustado entre eles, como um pequeno choque estremecendo-os no beijo.

 Diego afasta os lábios que saem levemente colados e um barulhinho quebra sutilmente a tensão.

 Ainda de olhos fechados, eles têm as testas unidas, dão um selinho dorminhoco e voltam a se largar. Estavam se provando com certa hesitação até que perdem os sentidos...

 Diego segura o selinho e vira devagar o rosto, pedindo passagem. Roberta afasta os lábios para que entre e seu estômago se arrepia. Em cada vez que eles se encontram dentro um do outro eles se seguram, como se precisassem perceber o que estavam fazendo por um segundo para talvez entender que não era inconsciente, nem delírio aquele sabor tão familiar. Como dormir na própria cama depois de um tempo fora de casa, como abraçar um conhecido no exterior ou provar a culinária da sua terra. É o sabor, é a sensação, é o encontro consigo mesmo, com algo que já faz parte de você.

 Depois do beijo, Diego ainda tem algo a dizer.

-Mesmo chateado eu nunca faria nada pra te destruir dentro de mim. –Ele acaricia seu rosto. -Eu pensei em ME destruir naquele momento... Me destruiria com a bebida, com a solidão, com a noite... Mas você... Você por mais que me doa, eu sempre vou querer que continue dentro de mim. Porque é a melhor coisa que já me aconteceu.

 -Diego... –Ela se afasta.

-Sim, e eu me odeio agora por isso! –Ele tem o rosto fechado em frente à emoção dela. –Eu me odeio porque coloco você em primeiro lugar! Porque independente do que você tenha feito eu ainda te amo!

-Mas eu não fiz nada! -Roberta reage.

-Então fala o que aconteceu! Ele te dopou? Porque você disse que não sabia de nada?

-Não, ele não me dopou... –Ela fala tranquila.

-Então?

-Eu desmaiei, o Otto me jogou um martelo e eu...

-Quem?


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