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Cap 124 - Como se fosse a primeira vez

O entardecer estava fresco na praia. Roberta deitava a cabeça no colo de Diego enquanto ele olhava o horizonte. Nina estava brincando com a areia e nem os percebia. Era fácil para os três ficarem em transe quando estavam diante do oceano.
"Você acredita que passou tanto tempo assim, Diego?"
"É bem difícil de acreditar..."
"Temos uma filha... E temos essas argolas nos dedos que dizem à sociedade que pertencemos um ao outro." Ela ri olhando a aliança.
"Eu pertenço." Ele a olha de cima e Roberta se levanta.
"Posso dar um beijo no meu marido?"
Diego deixa aquele tipo de riso manso escapar quando ela encosta os lábios nos dele. O barulho do mar se mescla ao barulho das conchinhas que Nina recolhe e a todo momento deixa cair, despencando dos seus braços em uma cascata de cores marinhas.
Os amigos os questionavam por terem levado a filha para a lua de mel, mas eles tinham sempre a mesma resposta: "Nós vivemos em lua de mel!" E essa era apenas as férias de que tanto precisavam. Além disso, era insuportável pensar em passar mais de um mês longe de Nina. Eles mereciam um tempo juntos, apenas os três, sem problemas, sem rotina, sem trabalho e sem estudo. Apenas os três e a vida, o mar e céu azul.
A casa onde ficaram tinha um quarto extra e eles haviam levado tantos brinquedos quanto era possível. Durante a noite o que mais gostavam era de brincar de lutinha na sala, ouvindo os gritinhos de Nina, alegre por estarem todos juntos por tanto tempo, como poucas vezes ficavam.
"Agora está na hora de criança dormir." Disse Diego para Nina, que na mesma hora se escondeu atrás da mãe no sofá.
"Ih, Diego, eu acho que ela sumiu." Fingiu Roberta, deitando em cima da filha como se fosse esmagá-la. " Uma risadinha abafada soou.
"Acho que você tem razão. Mas deixa eu ajeitar esse travesseiro nas suas costas." E então os dois pularam em cima de Nina, fazendo cócegas em sua barriga.
"Ah, mas eu achei ela." Diego jogou a menina nos ombros de cabeça para baixo e saiu correndo com ela para o quarto. Os cachinhos saltitando em suas costas.
Roberta ainda estava com um sorriso grande no rosto quando foi para a cozinha preparar o leite para a filha. Enquanto pegava os utensílios no armário, recebeu uma mensagem no celular. Era Alice.

Robertaaaaa!!
Pedro e eu estamos pensando em ir para um parque temático no final do mês. Vcs 3 querem vir também? Podem aumentar as férias em mais uma semana?

Roberta ficou tão entusiasmada que nem pensou para responder.

Claro, só preciso confirmar com o Diego, mas aposto que ele vai querer. A Nina vai amar!

Ao seguir para o quarto e abrir a porta, ela viu Diego acocorado no chão ao lado da cama de Nina, arregalando os olhos e fazendo boca de peixe. Teve de se segurar para não rir. Era a terceira vez que ele inventava uma história de uma sereia azul e um tritão dourado, para entreter Nina antes de dormir. Desde que chegaram em Balneário Camboriú, a menina estava falando das coisas incríveis que deveria haver no oceano.
"E ela pode ir para todo lugar do mundo, papai?" Perguntava ela com o queixo nas mãos e a boca aberta de surpresa.
"Claro, a água do oceano chega a todo lugar."
"Eu adoro água."
"Nós também." Roberta entrou e foi até a cama, entregando o copo de leite para Nina e sentando-se ao lado dela. "Por isso nós vamos continuar te ensinando a nadar amanhã."
"Que nem a sereia azul, né?" Ela sorriu com bigode de leite.
"Igualzinho!" Disse Diego, sentando-se ao pé da cama. "Mas eu não terminei a história. Não querem saber o que acontece?"
"Conta! Conta!" Elas falaram em coro.
"O tritão dourado sai da perigosa caverna debaixo do mar, deixando aquele lugar escuro e perigoso para trás.  O grande tubarão branco tinha ficado lá, preso em uma rocha, depois da luta que travaram. Tinha deixado o Tritão sangrando, o que era perigoso, pois sangue atrai tubarões, se vocês não sabem."
As duas se olharam com um meio sorriso preocupado.
"Bom, mas o tritão não iria descansar, pois de longe ouviu uma voz muito bonita. Era o canto da sereia azul."
Roberta pegou o copo vazio das mãos de Nina e colocou no criado-mudo, enquanto a menina se recostava no travesseiro.
"A voz da sereia tinha feito com que o tritão se apaixonasse. Eles eram muito amigos, mas agora eram mais do que isso. Então ele nadou por dias e dias, meses e anos. Sempre procurando por ela."
"Puxa." Comentou Nina, bocejando, enquanto Roberta passava a mão em seus cabelos dourados e a aconchegava entre os braços. "É muito tempo."
"O mar é infinito, filhinha, tão infinito que talvez ele nunca mais encontrasse a sereia azul." Explicou Diego em um tom de tristeza. "Ele estava ficando cansado e abatido, não estava mais conseguindo nadar. Foi quando estava quase desistindo que a encontrou. Estava semiacordada, presa pelos braços e pela cauda entre as algas marinhas, nos destroços de um velho navio pirata. Seu canto estava enfraquecendo também."
"Coitadinha." Nina cochilava, esfregando os olhinhos, forçando-os a se abrirem.
"O tritão retirou algumas correntes do caminho e cortou as algas. Quando ele a retirou, apareceram peixes espadas. Só que mesmo cansados, eles agora tinham um motivo para lutar, porque tinham encontrado um ao outro."
Nina estava de olhos fechados, com a bochecha no peito de Roberta, mas sorriu ao ouvir isso.
"Então eles brigaram com tudo e com todos. E eles venceram. Depois nadaram juntos e alegres de volta para casa. Os dois nunca se separaram."
"E viveram felizes para sempre?" Nina perguntou em um cochicho.
"Para sempre." Diego respondeu.
"Que bom..."
Ele se levantou e beijou a testa da filha no segundo em que ela adormecia completamente com o último carinho da mãe em seus cabelinhos embaraçados. A cena foi deixada assim. O pequenino quarto, com sua pequenina habitante e seus sonhos. Nina agarrou seu ursinho de braço decepado e virou para o canto da parede, com um sorrisinho no rosto corado. A luz que se projetava fraca da janela, fazia os caracóis dourados da cabeleira cintilarem sobre o travesseiro. Se via ali a face doce, inocente e enérgica, a mistura perfeita dos pais.


Roberta fechou a porta do quarto e pegou a mão de Diego, para andarem de mãos dadas pelo corredor como faziam quando começaram a namorar. O trajeto era curto, mas eles prolongaram esse momento da caminhada, com passos lentos, sentindo os dedos entrelaçados e o silêncio delicioso que denotava paz.
No quarto de casal naquela noite, ela ainda se deslumbrava com a beleza de sua rotina e das conversas banais que amava ter com o homem que agora era seu marido. Amava sentar-se na cama com ele, sentindo o cheiro da loção pós-barba, do sabonete na pele ainda úmida e ver o sorriso brincalhão a cada frase. Era a cada dia um homem mais maduro, de feições mais leves que as que tinha na adolescência. Seu olhar continuava doce e amoroso, forte e persistente.
Ele disse que adoraria prolongar as férias e lamentou por Tomás e Carla não virem também, mas acrescentou que nem tudo no final acontece como previsto. Eles sabiam bem disso. Aprenderam que tudo funcionava diferente do que os belos planos que eram feitos na juventude.
"Quanto tempo é o felizes para sempre?" Perguntou ela quando Diego beijou seus dedos alguns minutos depois.
Ele respirou fundo e retirou uma mecha do cabelo dela do rosto antes de responder.
"Acho que prefiro não contar o tempo. Prefiro viver um infinito de cada vez."
Roberta abriu um sorriso genuíno de alegria.
"Um infinito de cada vez."
À meia luz de um único abajur, eles se deitaram como tantas outras vezes, com sorrisos entre beijos. Quando estavam despidos e ela desejava que ele a possuísse logo, enquanto o mesmo desejo era o dele, ouviram a chuva de verão trepidar no vidro da janela. Não havia raios ou trovões, apenas a leve e doce água das nuvens a batizar a primeira noite deles ali.
"É o nosso infinito." Ele cochichou e sentiu o fôlego quente em sua orelha, do ar que havia sido expulso pelos lábios dela ao sentir seu primeiro movimento.
Era sempre como se fosse fosse a primeira vez, mas sem o medo e a timidez da idade. Conservavam, no entanto, o desespero um pelo outro, a felicidade e a ansiedade por estarem assim, juntos, sentindo o toque das mãos na carne, o calor dos lábios a sussurrar aos ouvidos e o prazer indescritível que os unia mais a cada noite.
"Eu te amo." Ele cochichou enquanto ela dormia em seus braços naquela madrugada chuvosa. "Eu sempre vou te amar."
Da distância de seus bons sonhos, a voz de Diego chegou à consciência de Roberta. Ela sonhou que o respondia, mas em sua resposta o som não saiu. Mas ele sentiu ela puxar sua mão para perto de seu peito, apertando-a junto ao queixo. Uma voz imaginária soou enquanto ele também adormecia.
"Eu também, Diego, eu sempre vou te amar."

As águas continuariam a lavar a noite, a lavar os dias e os anos. A juventude passaria para eles e chegaria para os filhos, sobrinhos e afilhados que ainda viriam. Porém, o amor seria sempre como um carvalho, que a cada década se torna mais imponente, com raízes mais poderosas e galhos mais fortes. E eles viveriam sob as asas desse nobre sentimento, da mesma forma que a ternura adormece eternamente nos contos de fada.

Fim

Comentários

  1. Aline, eu ja disse que sua escrita é perfeita? Que final lindo!
    Bem que você poderia escrever agora sobre a Nina, agora.
    Tipo ela adolescente... :-D

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  2. Que lindo fim!!! Valeu pela jornada, Aline!

    Gabi

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