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Cap 120 - A árvore da vida

Leonardo fala de modo exaltado no celular quando a filha Márcia chega ao hospital. A garota tenta acalmar o pai, mas ele está muito agitado. Os dois vão até Diego e os demais e todos ficam atentos.
"A Nina fugiu do colégio no meio da tempestade, acabaram de me ligar."
"O que?" Diego dá um salto até o pai. "Cadê a minha filha?"
"A família de uma antiga funcionária do colégio a encontrou e cuidou dela. Não sei como, mas a Nina descobriu sobre o acidente e parece que estava tentando vir até você e a Roberta."
"E ela está bem?" A respiração de Diego está cada vez mais rápida. "Eu vou buscar ela."
"Não, filho, eu vou. A Roberta deve acordar logo e vai precisar de você."
"Pobrezinha..." Carla começa a chorar. "Sozinha nessas ruas no meio da tempestade."

"A mascotinha é muito corajosa, mas essa tempestade poderia ter... sei lá..." Tomás não consegue completar o pensamento. É difícil sequer imaginar as tragédias que poderiam ter acontecido.
"Ela é muito pequena e deixamos ela de lado... A gente deveria ter ido buscar ela primeiro... Porque deixamos ela sozinha?"
"Não fica assim, meu amor." Pedro abraça Alice que se desespera ao pensar no que poderia acontecer com Nina. "Quando ela fugiu a gente ainda não tinha chegado aqui."
"A gente deveria ter chegado mais rápido, droga!" A garota chora nos ombros de Pedro.
Diego se senta com as mãos na cabeça e os amigos sentam ao lado dele, tentando acalmá-lo.
"Minha filha de cinco anos sozinha na tempestade, com medo, com frio e desamparada... A mãe dela em uma mesa de cirurgia podendo não acordar ou talvez perder os movimentos do corpo... E eu aqui, vivo, apenas com um corte na testa."
"Que bom que você está bem, Diego. Elas vão precisar de você bem." Pedro tenta animá-lo.
"Eu daria tudo para ser eu naquela sala de cirurgia ou naquela tempestade. Eu não sou bom o bastante para merecer estar bem, mas elas mereciam... Elas mereciam..."

***

Quando está saindo da oficina daquela família, Nina vê sua professora se aproximando com um grande guarda-chuva nas mãos. Quando os olhares de ambas se cruzam, Nina dá as costas e corre, deixando a mulher irritada.
"Ops!"
“Volta aqui, mocinha!”
Depois de alguns passos, Nina se arrisca a olhar para trás e vê a professora, o rapaz da oficina e o senhor barbudo correndo atrás dela. Aperta então o passo, correndo como uma lebre, muito ágil pelas calçadas molhadas. A chuva está quase no fim e apenas um pouco de sereno ainda se faz presente. Os homens nos mercados olham pela porta a criança correndo. A saia de pregas batendo em seus pulinhos rápidos e os cachinhos se eriçando com o vento. Atrás dela pessoas gritam para que alguém a segure.
Quando vai atravessar a rua, uma moça a chama. É a vendedora da padaria da esquina onde costuma comprar doces com o pai.
“Nina! Não corra pela rua! Um carro pode te atropelar!”
Outros que a conhecem também a chamam, mas a menina apenas olha para eles e corre ainda mais rápido. Vários deles resolvem entrar na corrida para pará-la, mas Nina parece deslizar entre os dedos.
“Nina! Pare!”
“Volte aqui, é perigoso!”
“Cuidado com os carros!”
As pessoas seguem gritando pelas ruas enquanto aquele pequeno ser humano aperta cada vez mais o passo, passando por baixo de braços e barrigas, batendo as mãos em pernas e traseiros. Corre tão rápido que deixa a todos tontos. Derruba alguns legumes em uma feira, tropeça em flores à venda em uma loja e até bate sem querer em uma senhora cheia de sacolas, espalhando várias frutas pela calçada.
Ela desvia na rua seguinte e quando chega a um ponto distante, é obrigada a parar. Ela vê uma movimentação em volta de um carro prateado perto de um barranco. A lataria está amassada no lado do carona. Na traseira há um adesivo com três desenhos formando uma família e o da mamãe está arranhado.
O carro de seus pais está vazio, mas as ruas estão cheias. Nina olha para as pessoas circulando à sua volta e ninguém parece vê-la. Todos, aliás, têm muita pressa e Nina quase crê que será pisoteada por eles. Era chato ser chamada de formiguinha por seus colegas de sala por ser a menor, mas pior do que isso era o medo que sentia, sendo de verdade uma frágil formiguinha ali.
Ouve vozes ao seu redor, algumas chamando seu nome. Vê a professora vindo até ela, vê também o senhor barbudo da oficina e a moça da padaria. Todos chegam ao mesmo tempo e ficam olhando para ela. É o fim da linha.
“Nina! Não pode ficar aqui!” A professora tenta segurar sua mão, mas  a menina escapa e corre até o carro dos pais. Lá ela olha para dentro, ficando na ponta dos dedos, vasculhando se ainda estão lá. De repente se sente sendo erguida do chão. O homem barbudo a pega com facilidade no colo e traz de volta para longe da cena do acidente.
“Eles não estão aqui, menina... Você achou que ia encontrar eles aqui?” A raiva some e ele se entristece ao mirar os olhinhos dela cheios de esperança quebrada. Nina esfrega os olhos disfarçando as lágrimas enquanto o homem a consola. É quando ela ouve uma voz diferente das outras chamando por seu nome. Se vira e vê o vovô Leonardo vindo rápido em sua direção, vestindo seu terno escuro imponente. Ela sempre diz que ele parece um segurança, principalmente quando põe óculos escuros.
“Nina.” Ele a ergue nos braços e a abraça. “Quase nos matou de susto. Você está bem? Se machucou?"
Ela deita a cabeça no ombro do avô e faz silêncio, sentindo as lágrimas quentes descerem por seu rosto ao ser levada embora. Enquanto passa, a rua inteira está parada olhando para ela. Todas as broncas que todos ali gostariam de dar na pestinha são engolidas diante da imagem do acidente e dos soluços da criança.
O avô conversa com alguns antes de ir embora, agradecendo e dando informações confusas. Ela sente algumas mãos acariciarem suas costas e seus cabelos, mas não se vira para ver quem são os donos dessas mãos. Apenas quer ir embora dali.
Enquanto o carro do vovô corre pelas ruas, Nina ouve a conversa que ele tem com alguém no telefone, falando muito rápido e de forma irritada.
“Não é possível que não tenha nenhuma notícia! Pelo amor de Deus! Eu vou ter que ir até o hospital outra vez. Não, claro, só vou deixar minha neta em casa e estou indo.”
“Não, vovô!” Nina se exalta e começa a chorar ainda mais com o que ouve. “Por favor, me leva com você.”
“Eu sei, mas preciso ir ficar com meu filho.” Leonardo responde à pessoa ao telefone, ignorando a neta.
“Vovô me leva com você!”
Ele desliga.
“Você não pode ir ainda.”
“Mas eu preciso! Quero ver a mamãe! Por favor, vovô! Me leva! Me leva!”
“Chega!” Ele perde a paciência. “Não viu quanta confusão causou hoje? O quanto nos deixou preocupados? Depois de tudo que passamos com o acidente dos seus pais, ainda isso pra nos preocupar. Estavam todos loucos por sua causa. Vê se se comporta!"
Por um tempo, só se ouve um pesado silêncio, mas logo surge um fungado e uma voz baixinha vinda do banco de trás.
“Desculpa, vovô.”
Ouvir o chorinho baixo e consternado da neta durante todo o caminho faz o coração de Leonardo se apertar como nunca. No entanto, ele se mantém firme e não amolece. Ela é muito pequena para causar tanto alvoroço.
Ao chegar na casa dos avós maternos, Nina encontra apenas a empregada em casa. Dani a olha com piedade e isso a deixa ainda mais triste. É a confissão dos adultos de que algo ruim aconteceu.
“Vem, vamos tomar um banho. Fiz uma jantinha deliciosa pra você.”
Ela segura a mão de Dani e quando olha para trás, o avô não está mais presente. Sequer se despediu ou disse quando voltaria. Isso a deixa confusa.
Após um banho quente, Nina se senta na cama entre as pernas de Dani, vestindo um pijama cheio de nuvens e patinhos dorminhocos. A empregada penteia os cabelos dela devagar até que a menina deita em seu peito e segura seus braços.
“O que foi?” Dani pergunta. Mas Nina apenas olha para cima, encontrando os olhos dela e não diz nada. É então que Dani a entende e a abraça, em um ninar aconchegante. O embalo a leva lentamente para um sono profundo.
Ela logo sonha com aquela sala de Natal, a mais linda que já viu. Há um pinheiro enorme perto da janela, coberto de luzes e enfeites de todos os tipos. Há bolas coloridas, vermelhas, azuis e amarelas, cada uma com várias e várias fotografias de dias alegres. Estão penduradas nos galhos ao lado de biscoitos apetitosos e de pequenas velas acesas. Há também sinos dourados e meias bordadas, miniaturas de carrinhos, bonecas, ursos e tudo que se pode imaginar. Aos pés do pinheiro estão enormes pacotes de presentes, com laçarotes pomposos e cartões lindíssimos desejando “Feliz Natal.” Uma mesa farta do outro lado exibe comidas diversas, pratos decorados e lugares para mais de dez pessoas se sentarem. As janelas de vidro estão cobertas por festões, pinhas, laços e flores vermelhas. Há um cheiro constante de chocolate quente e de bolo recém-saído do forno circulando pelo ar.
Ela observa tudo com alegria e quando olha para si mesma, percebe que está vestida com um belo vestido vermelho com bordados verdes e usando sapatos pretos lustrados. Seu cabelo está arrumado em belos cachinhos sobre os ombros, com um punhado preso para não cair no rosto. O céu está escuro e calmo, e o clima fresco e sem nuvens. Há um velhinho acomodado em uma poltrona de couro e ela logo o reconhece e corre até ele.
“Todos que morrem vem morar aqui, Seu Ângelo?” Pergunta, já subindo em seu colo. “Mamãe vai vir morar aqui com você? Se ela vier eu quero vir também!”
“Esse é apenas o seu sonho, filha.” Ele a pega no colo e Nina o observa bem de perto, passando o dedo em sua bochecha enrugada, pensando se ele tinha vivido milhões e milhões de anos. “Lembra de tudo que te mostrei ontem?”
“Uhum...” Nina volta a olhar para a janela de vidro e vê as estrelas tremeluzindo ao longe. Foi dali que ela viu todas aquelas lembranças no dia anterior enquanto dormia.
“Então diga, o que você viu?” O senhor de rosto bondoso sorri para ela.
“Vi o senhor e a dona Carmem... E vi o bebê.”
“Certo. Você viu todas as minhas alegrias da vida, aquelas cenas que estão penduradas na árvore de Natal. Depois fez com que a minha família se lembrasse do quanto eu fui feliz. Se você olhar agora pela janela, vai ver as suas alegrias também. Você já cultiva algumas bem interessantes, sabia?”
Nina se levanta sorridente e vai até a janela. Se debruça nela e vê passar diante de seus olhos um dia em que a mãe a acordou com um monte de beijos. Era o aniversário de Nina e a mãe resolveu faltar ao trabalho para passar o dia todinho com ela. As duas ficaram o dia inteiro de pijamas, brincaram no quarto e depois assistiram a muitos desenhos na sala, comendo pipoca, brincando no tapete e rindo até a barriga doer. Mais tarde o pai chegou com um delicioso bolo de chocolate. Os padrinhos e os avós vieram logo em seguida e até a tia Márcia, Sílvia e os gêmeos vieram. Ela brincou no quintal até anoitecer e foi o aniversário mais legal de todos.
Antes que outra lembrança apareça, o velhinho se levanta e vai até ela, agachando-se ao seu lado.
“O Natal, criança, está no que você vê lá fora, por essa janela. Não é o que está aqui dentro dessa sala, por mais bonito que a gente ache. Você entende?”
Ela gostaria de dizer algo, mas o sonho acaba antes que possa pensar em uma resposta.


***


Roberta sonha e em seu sonho tudo é completamente claro. Há uma estrada de terra batida em que ela caminha solitária. Lado a lado daquele caminho ela vê árvores altas e de folhas escuras que balançam devagar. O sol está quente, mas a sombra é fresca ali. Ela olha o horizonte e não vê um final, apesar de saber que precisa continuar se quiser voltar para sua casa.
"Porque estou tão longe?" Ela se pergunta. "Estou muito cansada..."
Ela se recorda dos planos que tinha para aquela tarde que não foram cumpridos e pensa em Diego. Algo lhe diz que ele está bem e isso é reconfortante. Continua caminhando e apesar de ser agradável, não se sente forte o suficiente para prosseguir. Ela fecha os olhos e vira o rosto para cima. Os raios de sol que passam pelos galhos das árvores aquecem seu rosto e ela ouve Diego.
"Roberta! Por favor, Roberta! Venha!"
Ela respira fundo e percebe que respirar é difícil.
"Mas estou cansada, Diego. Eu quero parar um pouco..."
Nesse sonho, parece que seu corpo desaba no chão e o caminho desaparece à sua volta. Tudo fica muito branco e frio.
"Mamãe?" Ela ouve Nina chamar. A vozinha soa chorosa e tristonha, entrando como uma faca afiada em seu coração. "Mamãe, eu estou com medo! Cadê você?"
"Tudo vai ficar bem, meu amorzinho..." Roberta tenta dizer, mas sua voz não sai. "Mamãe só está cansada, muito cansada pra caminhar..."
Como um cego ela tateia o escuro e faz muita força para tentar se erguer. Não vê, no entanto, para onde deve ir. As vozes continuam a chamá-la e o medo toma conta de seu coração, tanto quanto o cansaço. Ela sente, no entanto, um sono tão forte e tão profundo que tudo ao seu redor se apaga, lenta e dolorosamente em um frio cortante.


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