O impacto foi violento, segundo as testemunhas, mas ninguém sabia de fato o que havia acontecido com o casal tão jovem, mas ficaram aliviados ao ver que a cadeirinha no banco de trás estava vazia, exceto por um velho ursinho com o braço decepado e uns olhos negros e brilhantes.
"O carro em que estavam se chocou com outro veículo." Leonardo anda de um lado e outro no escritório, enquanto a velha empregada de cabelos grisalhos passa e ouve uma conversa estranha. Alguém havia sofrido um acidente e imaginou logo ser a patroa, dona Sílvia, e logo se desesperou.
"Eu vou pra lá agora, mas te ligo a qualquer momento. Preciso avisar a muita gente, os repórteres estão chegando também. O Diego está fora de perigo, mas a Roberta, não sei, não sei mesmo..."
A emprega sentiu uma pontada no peito. O filho mais velho, o menino que ela morria de saudade quando estava no internato, que lhe trazia bombons em seu aniversário. Ele tinha uma mulher tão linda e uma filhinha preciosa. Isso não poderia estar acontecendo.
A mulher seguiu com dificuldade para a cozinha e viu que outros empregados estavam discutindo o ocorrido. A casa estava muito vazia desde que Silvia e os gêmeos foram viajar de férias. A casa sequer estava enfeitada como era de costume em todo dezembro, de modo que tudo parecia tremendamente triste. Ela se sentou em uma cadeira do lado de fora da cozinha e começou a rezar com seu velho terço de pérolas brancas. Aquela deveria ser uma época de alegria e o universo deveria realinhar suas estrelas. Não seria correto uma criança perder os pais às vésperas do Natal.
Uma forte chuva caía quando a diretoria da escola recebeu um telefonema de Leonardo, comentando o ocorrido. Disse a eles que não sabia quando poderia buscar a neta, que estava sozinho para cuidar do filho, da nora e de seu trabalho, mas que mandaria alguém atrás dela.
"Pobre criança.. Como vamos dizer a ela o que aconteceu?" Comentou uma professora de cabelos acaju e olhos miúdos. Não parecia se importar realmente.
"Não iremos contar." Disse a diretora. "O dever é da família, apenas vamos ficar com ela até que a busquem."
Na sala de aula, nesse mesmo instante, Nina está fazendo um desenho, algo que pretende representar um belo final de semana em que passeou no sítio do avô.
Ela pensa por um instante e desenha um
sol nascendo por trás das montanhas. Faz uma árvore alta com um grande balanço
e várias maçãs vermelhas em seus galhos. Quem se balança nele é a mãe, com seus
cabelos encaracolados esvoaçantes e um grande sorriso enquanto o pai pesca em
um pequeno lago ao lado do avô. Nina, por sua vez, se desenha bem no meio folha,
brincando na grama com os gêmeos.
Ela olha para a professora
sentada na mesa. Os grandes óculos redondos da mulher vão descendo para a ponta do
comprido nariz enquanto escreve. A sala inteira está quieta, absorvida na
tarefa. Nina, no entanto, terminou bem mais rápido do que pretendia. Fez um
desenho bem colorido sobre o melhor dia daquele ano, quando foram para o
interior, para o sítio do vovô Leonardo.
Escreveu seu nome
no fim da folha, uma letra de cada cor: Um “N” vermelho, um “I” verde, um outro
“N” rosa e um “A” amarelo. Pronto, tudo feito e agora?
Coça os joelhos e
balança de leve as pernas que são muito curtas para tocar o chão, depois passa
a mão pela testa para retirar os finos cabelos do rosto. Cabelos encaracolados
como os da mãe. Todos dizem que Nina se parece com ela, mas que felizmente tem
o jeito do pai. Não entende o que querem dizer com isso.
Sem nada para fazer,
ela deita a cabeça sobre os braços na mesa. Pelas janelas enormes da sala ela consegue
ver o sol fraco e as nuvens cinzentas se movimentando pelo céu. Em poucos
minutos uma leve chuva começa a cair. É final de ano e quase todo mundo foi
viajar. Apenas seis crianças restam na sala e nenhuma é muito sua amiga.
Lia, a menina que
usa aparelho e tem cabelos negros, é a única menina que resta ali além dela,
mas vive colocando o pé em sua frente quando passa, fazendo Nina tomar feios
tombos na frente de toda a sala. Dudu, o menino gordinho que tem uma lancheira
do Batman, só fala com ela quando Nina leva algum lanche que ele gosta, como os
biscoitos de Natal da semana passada.
Apenas Vinícius, o
garotinho que gosta de colecionar carrinhos em miniatura, costuma ser legal. No
entanto, ele está sentado em grupo com os outros meninos e, como ela aprendeu
nos últimos dias, meninas não são bem-vindas nesses montinhos.
Nina fica olhando a
chuva cair por um longo tempo, passa a mão pelo pescoço, sobre o colar que sua
mãe lhe deu, para ter certeza de que não o perdeu, e depois mira o grande
relógio sobre a lousa. Pensa em como seria bom saber olhar as horas. Estava
muito ansiosa para que os pais chegassem e a levassem para passear como
prometido.
Despertou de
repente com um trovão. Arregalou os olhos e seu coração disparou. Foi então que
viu a professora parada bem ao lado de sua carteira.
“Não pode dormir na
sala, Nina.”
Ela se ajeita na
cadeira e vê quando Lia começa a rir e cochichar com um garoto ao lado. Os
outros alunos a estavam olhando também.
A chuva aumenta. O
vento entra pela janela e começa a derrubar o alfabeto de E.V.A e todos os
desenhos colados nas paredes. A professora corre para fechá-la, gritando para
que todos fiquem em seus lugares. Parece que o vento está carregando a professora
também, pois o cabelo dela dança para cima e para baixo, parecendo um monte de
rabiolas de pipa se embolando no céu.
“É só uma chuva,
crianças, logo vai passar.”
Mas a chuva não
passa. Em vez disso, fica cada vez mais forte. Os trovões e relâmpagos são
assustadores. Parece que latões imensos estão se batendo no céu e caindo ao
lado da janela.
Nina sente medo.
Sempre que chove, ela corre para o quarto dos pais e se deita no meio deles, o
que vira uma grande festa de caretas e cócegas. Adormece sempre com as mãos
leves da mãe fazendo carinho em seu cabelo, enquanto o cheiro dos lençóis
lavados, mesclado ao cheiro da água fria caindo na terra quente, a embalam.
É a primeira vez,
no entanto, que está sem eles em uma grande, enorme tempestade. Olha para os
lados e vê Dudu chorando enquanto a professora busca acalmá-lo. Lia já não ri e
muito menos qualquer outra criança. Todos estão encolhidos em seus lugares e,
assim como Nina, desejam que os pais venham logo buscá-los.
Se a Robert morrer vou ficar muito triste, ja tô chorando
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