Havia nele uma expressão
curiosa. Roberta o olhou por todos aqueles minutos iniciais em que se
encontraram na cabine, pensando no que ainda estava por vir. No entanto, o
horizonte azul e a presença de Diego fizeram seu pensamento mudar de direção.
“Não vai mesmo me dizer?” Ela
coloca as mãos na cintura, ansiosa.
“Estamos quase chegando.”
Disse colocando a mão sobre a dela e sorrindo. “Confie em mim”.
Ainda que sem muito sossego,
ela aceitou não fazer mais perguntas, ou pelo menos se conteve o máximo que
pôde. A cada momento que passava sentia vontade de perguntar o que poderia ser.
A essa altura não conseguia imaginar nada, visto que a noite anterior já havia
sido uma das melhores de sua vida.
Aconchegou seu olhar no mar.
Desde sempre, pensou ela, o mar lhe trazia paz, era como se a convidasse a
estar ali, naquela parte misteriosa da natureza. Afinal, quanto se conhecia a
respeito do mar? A verdade é que por mais que as pessoas investigassem, era uma
imensidão impossível de invadir totalmente. E quando estava dentro dele era como se
pudesse se tornar parte do mistério, como se pudesse se dissolver nele. E assim
como o mar, ninguém poderia chegar realmente até os confins dos seus mistérios,
a não ser se mergulhasse junto e lhe desse as mãos. Roberta sabia que só uma
pessoa havia deixado chegar a esse lugar.
***
Quando chegam à costa, deixam
o mar em troca de terra firme, Roberta sente uma súbita alegria. Ao longe ouve
um riso estridente e olha para Diego com ar de surpresa antes de sair correndo.
Tem certeza de que aquela voz é da filha. Diego a segue até dentro da mansão que
os espera à beira mar.
Roberta ignora o segurança a
postos ao lado do imenso portão e Diego o cumprimenta com um sorriso cúmplice.
Ao chegar ao jardim ela vê a cena que, por muitos anos, irá ficar em sua mente.
Nina está sobre uma pequena bicicleta colorida, com uma buzina e franjas no
guidon. Tomás a segura e leva enquanto Alice se desespera com medo de que ela
caia. Pedro está à frente dizendo algo como que encorajando e esperando para
ampará-la. Carla está sorrindo enquanto observa toda a situação. Os meninos,
Danilo e Bruno, sempre atentos e arteiros, riem e gritam para a sobrinha.
“Não é assim, Nina! Tem que
pedalar com força!”
Em um canto, tomando o café em
uma mesa de jardim, está o casal Eva e Franco batendo um amistoso e curioso
papo com Leonardo e Sílvia. De costas, andando de mãos dadas, está a silhueta
de Téo e Márcia ao longe.
“Mamãe!” Roberta se vira de
repente para a filha que largou a bicicleta e vem correndo com os braços
abertos em sua direção. Está com um sorriso de orelha a orelha.
Ela se abaixa e a abraça
apertado. “Oi, amor!”
Diego chega atrás delas e mira
a todos enquanto Nina se solta da mãe e pula em seus braços. “Papai!”
Ele a joga para cima e aperta
um beijo em sua bochecha corada de sol. Com a filha no colo e Roberta ao seu
lado, ele observa a família à sua frente e sente uma nova e completa paz que
não imaginava encontrar um dia. Olha para os amigos juntos e sorrindo para ele
e se recorda de como, durante todos esses anos, eles foram o lugar para onde ia
quando nenhum lugar do mundo parecia lhe caber.
Leonardo e Sílvia vem em sua
direção. Seu pai está sorrindo ao lado dela. Está genuinamente feliz. Diego
jamais sonhou que veria seu pai sorrir daquela maneira para ele em algum
momento da vida. Mas isso está acontecendo. É real. Mas, por mais que isso fosse
desejado, pela primeira vez na vida, não é o essencial. Hoje Diego olha para o
homem que se tornou e sabe quem é, não necessitando desesperadamente do
reconhecimento do pai, como tantas vezes necessitou. Agora, quando olha para
ele, sente que ambos chegaram juntos no mesmo ponto, aquele em que sabem quem
são e agora podem finalmente olhar de igual um para o outro, sem mais ofensas
ou cobranças, apenas o ombro de um pai e de um filho para qualquer momento da
vida. Podem ser companheiros de vida, por fim.
E tem seus irmãos, Márcia,
Danilo e Bruno. Nunca havia parado realmente para pensar em como ser filho
único não havia sido nada divertido. Crescer sem mãe e sem irmãos, jogado em um
colégio interno toda a vida. Sem natal e sem férias em família, sem conversas e
brincadeiras. Nada disso foi divertido. E agora, ver-se rodeado de pessoas, ter
uma família grande, era tudo com que sempre sonhou quando criança.
Ele sente sua mão ser segura,
os dedos entrelaçando. Olha então para Roberta ao seu lado, chegando para mais
perto, o olhar também curioso para a família que se aproxima. As frações de
segundo parecem uma eternidade, pois deixam todos os sentimentos remexidos e
saltitantes. Roberta vê a mãe ao lado de Franco e um alívio vem de repente. A
mãe tem alguém que cuida dela. Sempre pensou que a mãe parecia mais uma
adolescente e que deveria dar broncas para ver se ela aprendia. Tinha de cuidar
da mãe, mas sentia falta de alguém que cuidasse de si mesma. No entanto, ela
nota hoje, teve a melhor mãe, a mais carinhosa e divertida, a que nunca a
desamparou. E se antes era difícil aceitar suas roupas provocantes, seu estilo
jovem, os fãs enlouquecidos e paparazzi’s, hoje tudo isso é o que a faz amá-la
ainda mais. Ninguém no mundo tem uma Eva Messi, ninguém no mundo sabe as
alegrias e loucuras de ter essa mãe.
Era tão bom olhar para os
amigos, e principalmente para a doida da Alice. Quem diria que a consideraria
uma irmã algum dia. A amava muito, assim como a todos ali, até mesmo Franco.
Ele era o avô materno que sua filha teria, era bom, era rígido, era carinhoso.
Tudo que ela gostaria que seu pai fosse. Em um instante sentiu um pouco de
tristeza. Se sua mãe o tivesse conhecido antes, talvez Franco pudesse ter sido
a figura paterna que tanta falta lhe fez. Teria sido rebelde com ele no início,
mas depois o acolheria, sabia disso. A vontade de ter um pai que se importasse sempre
foi maior do que tudo.
“Oi filha!” Eva a abraça e ela
se volta para Diego.
“O que está acontecendo?”
“Nós vamos fazer nosso último
show.” Explica Tomás.
“Mas... Todos aqui, como?” Ela
não se aguenta de felicidade enquanto abraça os amigos. Olha para Diego e vê o
quanto ele também está feliz.
Roberta de repente percebe uma
conversa no interior da casa. Quem mais estaria lá dentro? Ela não faz ideia. E
como assim um último show? Eles nem cantavam mais havia tempos. Isso iria mesmo
acontecer?
“Venha, vamos nos arrumar” Alice
agarra Roberta pelo braço antes que ela consiga pensar em alguma coisa. As
crianças ficam no jardim brincando sob o olhar vigilante dos avós e pais enquanto
os demais vão para dentro da mansão.
“Sua
mãe conseguiu que um amigo dela emprestasse a mansão para o nosso show” Alice
explica enquanto sobe as escadas com os demais atrás dela, como se fosse uma
governanta. Quando abrem a porta da frente, encontram vários rostos conhecidos,
o que é um choque para Roberta. De cara ela vê Pilar e Binho conversando em um
canto, em outro está Vitória e João. Logo vê o irmão de Pedro, o Raul ao lado
de Beth. Também estão ali o diretor Jonas, Leila e Pingo. Cilene, professor
Artur e Vicente. E vários outros alunos, vários outros professores e
funcionários. São tantos rostos conhecidos que parece ter voltado ao Elite Way,
voltado em quando tudo começou.
Os
antigos professores vêm cumprimenta-los, assim como os amigos e aqueles não tão
amigos assim. Mas é estranho, é como se tudo fosse tão pequeno agora, as
desavenças, as picuinhas, implicâncias. Como se lembrar da vez que brigou com
um colega de infância por uma bola. Tudo é tão familiar e está tão distante ao
mesmo tempo.
“Estou
ansioso pelo show, e muito feliz em reencontrá-los.” O professor Vicente sorri para eles. Está um pouco mais
velho e ainda mais inteligente que antes. Só de olhar para ele Roberta se
recorda do poema que foi lido por ele certa vez na sala de aula:
“Fiz
de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.”
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.”
Ao se recordar do passado, e de “Tabacaria”, o poema que
Fernando Pessoa escreveu e que Vicente recitou naquela aula, ela retorna sua mente ao
primeiro verso do enorme poema que dizia:
“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim
todos os sonhos do mundo.”
Ela lembrou de como tinha
sonhos adolescentes junto de todas aquelas pessoas. Sonhos imensos que não se tornaram
realidade. Mas, de fato, isso não a preocupava nem um pouco. Sentiu-se
satisfeita pelas surpresas da vida, pois viveu sonhos que nunca havia sonhado,
e que se tornaram a vida que nunca quis ter, mas pela qual estava completamente
apaixonada. Pensava que poderia ter o mundo, mas tinha apenas os sonhos e a incerteza. E agora todos os sonhos do mundo cabiam em seu coração, pois seu mundo se resumia nas pessoas que amava e no que era capaz de realizar por eles e por si mesma.
A vida era isso afinal,
planejar e sonhar, pensar que sabe o melhor para si todos os dias, e ver as suas certezas escaparem pelos dedos, e quase sempre ficar mais feliz com as
surpresas do que com os planos. Continuaria sonhando, mas vivendo e aguardando o que a vida reservava. Agora era esperar. O que quer que estivesse vindo desse dia, ele estava começando a trazer borboletas ao seu estômago.
Segurou, então, com firmeza a mão de Diego e adentrou completamente no salão.
Chorando horrores aqui. Voltei no tempo e bateu saudade da menina de 14/15 anos que teve as histórias desses personagens alegrando seus dias. Obrigada por ainda continuar aqui.
ResponderExcluirXx Camila.
Nossa esse foi lindo hein,realmente me fez lembrar como eu não tinha preocupações,e como chega uma HR q a vida cai sobre VC de um jeito diferente. Eu não tinha com o q me preocupar a não ser minha notas em matemática na escola. Essa história assim como a novela faz parte de mim. ❤
ResponderExcluirque coisa linda Aline, teria sido um final perfeito pra Rebelde..
ResponderExcluir