Cap 103 - Antipulgas

A manhã é agitada. A casa cheia acaba por deixar Roberta ainda mais nervosa do que o normal. Ela desce as escadas pela décima vez roendo as unhas e encontra os rostos espantados dos amigos a encarando.

-Ela tá piorando. -Tomás comenta com Pedro.

-E olha que a gente não achava isso possível.

-Sosseguem. -Alice passa por eles e vai com Carla até a base da escada encontrar Roberta.

-Vai dar tudo certo. - Carla tenta ajudar. - Lembra do que disseram os advogados. Diego tem muito mais chances de vencer.

Roberta coloca as mãos na cintura e suspira.

-Eu sei... Mas não dá pra ficar tranquila! Não paro de pensar que pode dar tudo errado e que o Diego pode perder a causa, pode ser até preso.

-Isso não vai acontecer. -Afirma Alice. -Quando ele terminar de conversar com os advogados no escritório, você vai poder ver com seus próprios olhos que está tudo bem, todos tem muita certeza de que a lei cai ser cumprida.

-Eu não gosto de certezas. -Roberta se aflige. -Certezas são assustadoras. -E olha de um lado e outro, já se distraindo. -E cadê a Nina?

-Tá com a Dani, enchendo o bucho. -Tomás interfere de longe. -Não sei como uma criaturinha daquela pode comer tanto.

-Olha quem fala. -Carla o encara sobre os ombros.

-Não queria leva-la para o tribunal. -Roberta pensa alto. -Mas vou ficar maluca se a deixar aqui.

-A Nina é quem vai deixar todo mundo maluco se você deixar ela aqui. -Eva surge pelas escadas. -Ontem ela ficou impossível! Tá ficando muito mimada, Roberta. Se continuar assim...

-A mascotinha não é mimada! -Responde Tomás, revoltado. –Ela só tá com medo. Deve achar que se os pais demoram a aparecer é porque não vão voltar. Igual quando a Patrícia levou ela embora por todo aquele tempo. Ela só precisa de um tempo e de cuidados pra se recuperar.

Todos se viram para ele em silêncio.

-Que foi? Falei alguma besteira?

-A surpresa foi você ter falado algo inteligente.

-Ei! -Carla olha feio para Pedro e vai até Tomás, lhe dando um beijo na bochecha. -Meu namorado é muito inteligente! E muito sensível também!

-É, só a modéstia não me deixa demonstrar frequentemente, mas sou quase um Dalai Lama.

-Menos, Tomás, bem menos... -Pedro ia continuar, mas um som de passos distrai a todos.

-Se estiver tudo pronto, é melhor nós irmos. -Diz um dos advogados a Diego enquanto caminham de encontro aos outros.

-Ok, acredito que já podemos ir. -Nesse momento Roberta se aproxima dele.

-E aí? -Pergunta, ansiosa.

-Já acertamos tudo. E você? Está pronta?

-Não sei...

-Vai ficar tudo bem. -Ele abraça suas costas e sorri com tranquilidade.

-E se não ficar, Diego? E se der tudo errado?

-Bem... -Ele pensa. -Eu ainda vou amar você, ainda vou amar nossa menina.

-Mas...

-E principalmente... –Ele levanta o indicador para interrompê-la. -...ainda vou lutar pelo dia em que poderemos estar juntos e em paz.

Roberta silencia, mergulhando na confiança de seu olhar.

-Eu nunca vou parar de lutar por nós, entende? Nunca.

E a situação parece mais leve, então ela respira com força e o abraça finalmente. Sabe que também não vai desistir, pois já não é apenas ela e sua vida, seus desejos. Mas é parte desse "nós". Nada importaria mais se não tivesse Diego e Nina. Sua vida não teria nenhum sentido. Então o abraça mais forte, sentindo o corpo dele firmando o seu como sempre faz nos momentos mais tensos. Parece eterno e ainda assim muito mais breve do que gostaria.

-Podemos? -De repente Leonardo chega da cozinha com Nina no colo. Todos, incluindo o casal, param para olhar. A bebê mexe na gravata do empresário, desarrumando o belo ajuste do nó, mas em vez de se aborrecer ele parece se divertir quase tanto quanto ela.

-Mamã... -Nina procura de repente.

-Oi amor...

-Ah o vovô! -E aponta para Leonardo.

-É sim... É o vovô... -Roberta incentiva, para surpresa de Diego.

Quando Franco chega à sala, tenta não mostrar ciúmes, mas Eva percebe e tanta cochichar algumas consolações.

-Ela também te adora, não seja bobo.

-Eu sei, não estou com ciúmes, é só que...

-É só que são ciúmes, ora!

Leonardo não percebe nada e se vira para o filho.

-Minha netinha podia dar um passeio na casa do vovô. Os meninos estão com saudade. Depois do tribunal, podíamos almoçar lá, todos nós, hein Diego?

-Claro... -Ele se vira para Roberta. -O que você acha?

Ela abre um sorriso.

-Vai ser ótimo.

-Perfeito. -Leonardo avança para a porta. -Mas agora, vamos. Quero acabar logo com isso.

Durante o caminho pelas ruas do Rio de Janeiro, tudo estava bem, mas no tribunal, as coisas voltam a assustar Roberta. É tudo muito demorado e as conversas entre os advogados parecem não fazer sentido algum. E com seu nervosismo, em um momento, acaba interferindo.

-Ele é inocente, seus idiotas! -Grita no meio do tribunal. -Será que tem que desenhar pra vocês?

E como o esperado, as autoridades não foram muito compreensivas.

-A senhorita, por favor, me acompanhe. -Um guarda vem até ela.

-Eu não vou sair!

-Vai poder voltar na hora da sentença. Agora terá de sair.

Roberta resmunga, mas ao pensar na filha, que está com Eva do lado de fora, decide sair. Também não acreditava poder suportar calada toda aquela palhaçada e tinha medo de prejudicar Diego com sua falta de filtros. Ele, por sua vez, tenta desesperadamente não pensar em nada enquanto ouve as últimas entrevistas até chegar a sua hora. Está com uma sombra de receio que incomoda e faz seu estômago revirar. Uma a uma, as pessoas vão falando e os advogados vão pressionando cada vez mais. Quando Patrícia entra para depor novamente, todos a encaram.

-Sua mãe confessou que levou a criança por ordem sua. –Um dos advogados a pressiona. –Tem algo a dizer em sua defesa?

-Minha mãe é idosa e está caduca. –Ela sorri.

-Os laudos médicos dela dizem que está perfeitamente lúcida, assim como você.

Patrícia engasga. Não sabia que a mãe tinha feito exames.

-Eu sou inocente.

-Pode provar?

E com o silêncio dela o advogado se retira, dando espaço aos demais. Enquanto isso, do lado de fora, Roberta não se aguenta de nervosismo. Nina, por outro lado, está espalhada em seu colo, com as perninhas roliças penduradas enquanto as mãos seguram uma mamadeira de onde bebe calmamente um suco de laranja, como se nada estivesse acontecendo.

Roberta olha para o relógio o tempo todo, deixando Eva tonta.

-Ai, vê se se acalma, filha, tá me deixando nervosa!

-Você tá ficando nervosa? Eu estou a ponto de enfartar!

Nesse momento Tomás surge correndo em sua direção.

-Vem, eles vão dar a sentença!

Ela entrega a bebê para Eva e corre com Tomás de volta ao recinto. Chega no exato momento em que Diego esboça um imenso sorriso um fuzuê de vozes começa.

-O que? –Tomás fica desorientado. –Perdemos ou ganhamos, Roberta? Roberta?

Quando ele vê, ela já está longe, atravessando o salão até onde Diego está.

-Vencemos! –Diego a avista e abre os braços para recebê-la em um grande abraço. –Eu te disse que tudo ficaria bem!

-Ahh!! Tenho vontade de gritar!! –Ela o aperta firme como se nunca mais fosse soltar, tamanha sua alegria. De repente, no entanto, olha para outro canto e vê a mãe de Patrícia sendo algemada. A idosa não resiste e apenas se mostra abatida. Patrícia, por outro lado, chora como Roberta nunca imaginou ver.

-Minha mãe! –Ela luta nos braços de um dos guardas. –Minha mãe! Não! Leve apenas a mim! A mim! Não ela!

-Mas... –Roberta cochicha. –As duas vão ser presas?

-Claro. –Diego a solta e olha para a cena de Patrícia. –As duas participaram... Acho que a Patrícia nunca pensou que sua mãe pudesse pagar junto com ela por seus crimes. Ela não teve medo em nenhum momento de ser presa. Apenas no fim, quando o tribunal disse que, além dela, a mãe também seria presa, é que perdeu o controle. Acredito que seja o pior castigo que poderia receber. Ver o que acabou fazendo com a própria mãe que daria até o sangue por ela.

Diego dá as mãos a Roberta para saírem dali o mais rápido possível.  Ao passar pelos amigos, todos o felicitam, o que faz com que ele demore mais do que imaginava até chegar onde está Eva e Nina.

Eles buscam sair de forma a evitar os repórteres, mas não conseguem. Uma chuva de flashes desce sobre eles durante o caminho até o carro. As perguntas são muitas, mas a maioria eles conseguem evitar.  Finalmente quando já estão no automóvel a caminho da casa dos Maldonado, eles conseguem conversar. Diego estende a mão e entrelaça os dedos nos de Roberta, depois leva até a boca e a beija. Ela chega mais perto e deita a cabeça em seu ombro.

-Diego...

-Hm?

-Diego...

-Que foi?

-Nada. –Ela ri.

-Ué! Como assim?

-Nada, eu quero que você fale.

-Mas falar o que? –Ele também começa a rir.

-Qualquer coisa. Só quero ouvir sua voz. É tão bom saber que está voltando comigo, que não te perdi por lá.

-Ah... –Ele a abraça mais apertado. –Ainda que eu fosse preso, você não me perderia. Tenho uma etiqueta no coração que diz “Pertence à Roberta Messi, favor devolver ao remetente”.

Ela ri outra vez.

-Então você sempre volta pra mim e eu pra você? Acha que gente se encontraria mesmo depois de muito tempo separados?

-Bem... Se existe esse negócio de encarnações, tenho certeza que até na próxima vida eu a gente vai se encontrar. Talvez a gente volte como um casal de índios, ou um casal de muçulmanos, ou de alemães... Talvez até um casal de esquilos, ou de onças, ou de passarinhos! Que você acha?

-Prefiro um casal de pulgas.

-Como é? –Ele dá risada.

-É sério. Imagina! A gente poderia morar em um cachorro. Teríamos uma vida mais segura sendo bem pequenos, passearíamos por aí sem risco de humanos nos prenderem ou nos atirar pedras.

-Uma palavra: Antipulgas.

-Ah, ele não me assusta mais do que a humanidade. O veneno do mundo é pior, Diego. Eu adoraria ser uma pulga, ser minúscula e viver bem a salvo de tudo isso.

-Certo, mas você ainda é doida. –Ele segura o rosto dela e a beija entre risos. Ambos não conseguem se lembrar do último momento tão descontraído que tiveram.