Cap 102 - Os três

Leonardo anda de um lado para o outro pela sala. Se Diego tiver feito alguma besteira, ele não vai se perdoar. Tudo que seu filho está passando tem muito de sua participação.

-Não fique assim, Leo, ele está bem, se não já tinham nos ligado. –Sílvia tenta acalmá-lo. –Além do mais, ele disse que iria procurar a Roberta, lembra? Talvez tenham se acertado.

-Ele não disse isso. –O homem franze o cenho. –Disse que iria ver a casa.

-E o que você acha que ele esperava encontrar?

-Mas não tinha como ele saber...

-Não, como saber ele não tinha... –Ela se senta no sofá com ar divertido. –...mas deve ter sentido isso. Eu aposto.

-Esse tipo de coisa não existe, Sílvia.

-Claro que existe. –Ela o puxa para se sentar ao seu lado e aperta seu braço. –Você é que ignora o seu lado romântico. Ele também pode te mostrar caminhos, sabia?

-Ah, claro... –Ele ri, incrédulo.

 Nesse momento o telefone toca e Leonardo pula sobre ele.

-Filho? –E para bruscamente. –... Ah, sim... Mas, onde você está?... Está indo para onde? Para a casa da Eva e... –Ele olha para Sílvia com espanto. –Com a Roberta?...

A mulher ergue as sobrancelhas como quem diz “não te disse”.

-Bom, eu... Eu fico muito feliz que tenham se entendido! Sim, de verdade. Vou pedir ao motorista para te levar uma mala com roupas e amanhã passo aí para irmos para o tribunal. Vai dar tudo certo... Sim, sim. Tudo ok. Tchau.

Ele desliga e olha para Sílvia com um sorriso avaliador.

-Você é incrível, sabia?

-Precisa parar de ser tão lógico, Leo. –A voz dela é carinhosa e mestra. –Algumas coisas, você precisa entender, que não tem explicação... você apenas as sente e acredita nelas. Eles creem um no outro, mesmo com todas as diferenças e dificuldades. E são felizes assim.

Ele segura a mão dela e sorri com pesar. Se pudesse ter entendido antes...

***

Na casa de Eva, o chororô é alto. A cantora não consegue fazer Nina sossegar. Ao acordar e não ver a mãe, ela entrou em desespero e nem mesmo Franco, com seus dotes de avô, conseguiu diminuir a ira da pequena.

-Chegamos! –O casal abre a porta da frente e Dani desce correndo as escadas.

-Eu já ia te ligar! –Ela está sem fôlego, mas para assim que vê Diego.

-Dani? Oi! Acorda... -Roberta a chama.

-Hein? -A empregada balança a cabeça. -Ah, sim. É que... O Seu Franco... ele... ele não sabe mais o que fazer e a sua mãe está ficando louca lá em cima!

-Mais? –Roberta ri.

-Não brinca, vamos ajudá-los. -Diego sorri para ela e se vira para Dani. -Onde eles estão?

-No quarto da Roberta.

-Vem, Diego. Acho que a nossa garotinha resolveu testar a potência de suas cordas vocais...

-E que cordas vocais. –Ele segue, sendo puxado pela mão escada à cima. É incrível como tudo soa tão interessante e divertido, mesmo quando não deveria ser.

Quando abrem a porta, com Dani logo atrás, encontram Eva e Franco fazendo todo o tipo de palhaçadas, oferecendo mamadeira, chupeta e todos os brinquedos possíveis a Nina, que não para de berrar.

-Não... Que é isso minha gatinha? –Roberta vai até ela. –O papai não vai gostar de te ver assim chorando.

Franco ergue os olhos sem acreditar, mas Diego abre um sorriso de orelha a orelha ao ver sua filhinha outra vez. Nem mesmo presta atenção na surpresa dos demais. Imaginava que demoraria séculos até que o juiz o deixasse visita-la e não consegue conter a emoção.

-Oi, meu anjinho... –Ele acaricia o rostinho molhado e vacilante.

A menina ainda está vermelha e seus ombros balançam com os soluços, mas já não chora mais. Apenas ergue os bracinhos na direção deles com ansiedade. Roberta se aproxima para pegá-la, mas logo se afasta.

-Droga. Minhas roupas estão molhadas. –Com isso, Nina faz um enorme bico, voltando a esfregar os olhos no colo de Franco.

-Não... Não chora... Mamãe já volta.

-Roberta... Vocês... –Eva fica boquiaberta olhando para eles e aponta de um para outro.

-Vou tomar um banho, mãe. Aguenta mais cinco minutos. –E se vira para Diego, agarrando sua mão outra vez. –Vem, vamos achar algo pra você vestir.

Quando eles saem apressados, Franco se vira para Eva, que se vira para Dani, que volta para Franco. E instantaneamente um sorriso se forma nos rostos de todos.

-Eles voltaram!

E Nina, que não entendeu nada, recomeça o choro.

***

Alguns minutos depois, Roberta volta ao quartinho com os cabelos presos em um coque mal feito. Vem vestida com uma camiseta enorme e branca com o desenho de uma boca vermelha mostrando a língua. Diego está sozinho com a filha no quarto, balançando-a nos braços e conversando com ela. De banho tomado, ele usa uma calça de moletom e uma camiseta branca de algodão, bem confortáveis. O motorista havia chegado bem a tempo com sua mala e não precisou pegar nenhuma roupa emprestada com Franco.

Ao ver a cena, Roberta decide não entrar de vez.

-Sabia que você é a menininha mais linda e mais amada desse mundo? –Ele beija o lado da cabeça dela. Os olhinhos morteiros de Nina, brilhantes como cristais, se fixam nos do pai, em uma curiosidade engraçada. –Quando voltarmos pra casa, a gente vai passear no parque, depois na praia... Vamos tomar sorvete e você vai poder sujar a cara do papai como antes... Legal, né?

E quando a filha ri, Roberta não tem dúvida, essa é a cena mais linda que já viu nos últimos tempos. No quarto pouco iluminado, o brilho dos cabelinhos loiros de Nina destacam os ombros de Diego, quando ela se deita sobre ele. Por querer ver mais um pouco, Roberta se apoia na porta e observa mais antes de Nina interromper, apontando o dedinho por cima dos ombros dele.

-Mamãe...

Quando Diego se vira, franze a testa ao mesmo tempo em que se diverte.

-Ei! Essa camisa dos Rolling Stones é a minha!

-ERA. –Roberta passa por ele com uma sobrancelha erguida, pega a filha e a enche de beijos. –Minha bebê linda...

Então se vira com um sorriso travesso para ele.

-Eu peguei das suas coisas quando você viajou a primeira vez. –Então seu olhar se torna mais sério e sua voz mais baixa. –Dormi com ela quase todas as noites pra ver se sentia menos a sua falta...

Roberta aproveita o instante. A presença de Diego ao seu lado como proteção, como companheiro, o cheirinho da filha, a sensação dos dedinhos dela sobre seu peito e os olhos firmes do homem à sua frente. Quase parece estar vivendo mais uma ilusão. 

E é quando Diego se aproxima, segura seu rosto e beija seus lábios demoradamente, com um toque macio, carregado de ternura. Quando ergue o rosto para ela, é como se sentisse a mesma coisa e precisasse provar para si mesmo que não era mentira.

***

 Os três ficam na cama de Roberta, se curtindo ao máximo. Três pares de olhos, de mãos, de pés. Tamanhos diferentes de dedos, cores diferentes de olhos. Três sorrisos, três tipos de gargalhadas. Três. O perfeito da conta.

 Nina fica radiante entre os pais, sorrindo e brincando. Diego a levanta no ar e morde sua barriga, fazendo-a rir. Outras vezes ela engatinha de um lado e outro sobre o colchão, dando e recebendo carinhos, fazendo gracinhas e falando sem parar, mesmo que ninguém entenda direito o que. Está muito esperta e dengosa, do jeito que lembra Diego e Roberta ao mesmo tempo. A forma dele de conquistar até a pessoa mais difícil e a dela de ter um carisma peculiar e irresistível que a torna única. É uma mistura perfeita que encanta.

Quando, por fim, ela se cansa e adormece entre os dois, completamente estirada e folgada, tomando o espaço total, Roberta e Diego ficam conversando entre sussurros por bastante tempo. Nada sério, nada triste ou necessário, apenas coisas sem importância, lugares, músicas, comida, dias perfeitos... Não há porque reviver a dor. E isso perdura até suas barrigas roncarem e Roberta desce para pegar um lanche na cozinha. Quando terminam de comer e se preparam para dormir, eles se pegam preocupados com uma coisa.

-Você vai ter coragem? –Roberta tomba a cabeça. –Olha só pra ela.

Diego observa a filha dormir. Uma mechinha já comprida do cabelinho loiro está deitado para trás. E com os bracinhos abertos e as palmas das mãos voltadas para cima, ela dorme profundamente.

-Coragem? É de comer?  –Ele ri.

-Eu não vou tirar, Diego... –Ela balança a cabeça.

-Não precisa...

Roberta ergue as sobrancelhas.

-Só por hoje não vai fazer mal. -Ele prossegue. -Deixa ela pertinho da gente. E pode dormir. Acho que eu não vou conseguir mesmo.

Ela ergue a mão e toca seu rosto.

-Por causa de amanhã?

Diego beija a mão dela.

-Não. Não é por isso... É que eu realmente não consigo parar de olhar pra vocês.

Roberta ri, olha para o meio onde a filha dorme e depois de volta para ele.

-Você alguma vez imaginou que nossa história iria tão longe assim?

Ele pensa por um instante.

-Imaginei sim... Na verdade imagino muitos anos mais, muitas coisas ainda pra gente. Eu senti que você seria parte de mim desde que pus os olhos em você. Não sei explicar... E independente de quanto tempo durasse essa relação, sempre imaginei que seria uma das histórias mais bonitas já contadas. 

-Um dia a gente vai contar?

-Só pra ela... -Diego se inclina e dá um beijo na filha, depois outro em Roberta. Em instantes elas dormem, mas ele não. A cada minuto que passa ele despeja mais um olhar. É como se pedisse aos olhos "me provem que é verdade".