Esperando em um frio e
antipático corredor por um longo tempo, Diego só faz suspirar de ansiedade.
Quando observa o médico finalmente se aproximar com uma papelada presa à
prancheta e um sorriso no rosto, fica aliviado.
-Olá. Eu tenho boas
notícias. Seu pai poderá voltar para casa em alguns dias.
-Sério? Mas isso é ótimo!
–Ele fica eufórico de alegria.
-Sim, mas terá de ficar de
repouso por algum tempo. Aliás, ele está acordado agora e pediu para falar com você,
pode vir?
-Claro.
Diego acompanha o médico até
a porta do quarto onde está Leonardo. Quando entra, vê seu pai como uma única mancha
de um quadro branco. Cortinas, lençóis, paredes, piso... Tudo tão claro que os
olhos chegam a doer.
-Oi filho. –Ele cumprimenta
enquanto Diego se senta à sua frente.
-Pai, como o senhor está?
-Bem. –Ele o observa. –É que...
-Sim.
-Preciso te pedir uma coisa
muito importante.
-Pode pedir.
Ele fica atento e seu pai
começa a falar. Quando termina, Diego está em choque.
Seu telefone vibra, tirando-o do transe.
-É a Roberta. –Informa ao pai.
-Atende.
Diego sai do quarto e atende no corredor.
-Oi, meu amor. –Ele diz com voz cansada.
-Oi, como você está? E o seu pai?
-Melhor. Me disseram que poderá voltar pra casa em alguns
dias.
-Mas isso é ótimo!
-É, mas... –Ele fica tenso ao se lembrar do pedido do
pai. Não sabe como contar a ela o que terá de fazer.
-O que você tem?
-Roberta, eu não vou poder voltar ainda.
O coração dela dispara.
-Como assim você não volta?
-Meu pai me pediu para ir às reuniões que ele tinha
marcado para representa-lo. Se não for, ele vai se complicar. São apenas
algumas semanas.
-Algumas semanas!? –Roberta se altera. –E eu vou ficar
sozinha por todo esse tempo com a Nina?
-Não! –Ele fica confuso.
-Claro que não! Eu vou ficar com a sua família, e com o
meu pai, e com o doido do Caíque! –Ela fica muito brava.
-Roberta, me ouve!
-O que?
-Vem pra cá com a Nina. Vocês podem ficar comigo!
-Você se esqueceu de que as aulas vão começar? E eu tenho
estágio!
-Mas eu não vejo outra solução. Você vai ter que escolher!
-Assim como você já escolheu o seu pai, certo?
-Não é assim!
-Claro que não! É bem pior! Você nem falou comigo antes
de tomar essa decisão.
-Estou falando agora!
-Quer saber, eu não quero conversar com você! Tenho que
cuidar da minha filha já que o pai dela esqueceu que tem uma! –E desliga o
telefone.
Está zangada, não entende como ele pode ficar, sabendo o
que está acontecendo. Como ele pode escolher o pai em vez delas. Não acredita
no que ele está fazendo. Diego por outro lado, se sente em um beco sem saída.
***
Ainda tensa e recostada na parede de azulejos pensando no
que Diego havia dito, ela ouve um chamado desesperado. É Danilo.
-Roberta! Roberta!
Ela sai correndo e o vê perto na porta.
-Cadê a Nina?
-A Patrícia levou! Disse que eu sou muito pequeno pra
tomar conta dela.
Roberta se apressa. Tem fogo saindo pela boca. Desce as
escadas e chega à sala com o menino em sua cola.
Encontra Sílvia conversando com Patrícia no sofá da sala.
Nina está no tapete, agarrada a um trenzinho vermelho. Ela não brinca, fica
apenas de olhos arregalados, como se tivesse sido repreendida.
Roberta retira a menina do chão e se dirige a Patrícia.
-Você se esqueceu do que eu te avisei?
-Perdão? –A garota se faz se sonsa. –Ah, fala da menina? Bem,
eu... Eu só achei que não era seguro deixa-la lá sozinha com um menino de 4
anos.
-Ela tem razão, Roberta. –Sílvia concorda. –Danilo é
atencioso, mas é muito pequeno.
-Eu estava ligando para o Diego a menos de três metros
deles!
-Ah, e o Diego tem boas notícias? –Patrícia pergunta e
Roberta lança a ela um olhar carregado de raiva.
Sílvia percebe a tensão entre as duas e resolve levar
Roberta para o jardim com Nina.
-Venha, vamos conversar lá fora, você precisa de ar
fresco.
***
No jardim de grama aparada e pequenas flores brancas, ela
se sente melhor. Começa a caminhar ao lado de Sílvia, levando Nina pela mão,
treinando o seu andar. O vento suave e a lentidão conseguem proporcionar algum
sossego.
-Eu vou falar com ela, Roberta. –Sílvia promete. –Mas por
enquanto não quero que se preocupe. Eu estou sempre aqui e temos outros
empregados. Ninguém vai deixar nada de mal acontecer a sua filha.
-Não confio naquela garota. Você sabe disso. A Nina tem
medo dela, fica estranha quando a vê.
-Eu entendo, mas não se preocupe. Vamos aproveitar o dia.
Logo vai ficar tudo bem.
Roberta não sabe se tudo vai realmente ficar bem, mas
aceita o que a madrasta de Diego diz, já que não há muito o que possa fazer. Só
não consegue esquecer o olhar de satisfação daquela babá quando a viu sair de
casa.
***
Durante três dias, ela e Patrícia não se encontram.
Caíque não dá sinais de vida e nem mesmo Leonel cumpre a palavra de vir falar
com ela. Roberta estranha o silêncio, mas fica a espera de uma bomba a qualquer
instante. Diego volta a ligar várias vezes para conversarem, mas continuam se
desentendendo. Ela está quase convencida que ir para onde ele está e ser
reprovada é a única solução, mas se segura na esperança de que ele volte e
largue os negócios do pai.
Na sexta feira seguinte, Leonardo volta para casa. O
médico recomendou que tirasse umas férias em vez de apenas alguns dias, mas ele
está chateado de ter de parar de trabalhar. Quando fica sabendo das hóspedes,
até aceita, mas não fica muito feliz. Roberta nunca foi uma pessoa com quem
gostasse de conviver e não acreditava que seria diferente com a filha dela.
-Seja bonzinho com as duas, Leo. –Sílvia diz enquanto o
obriga a sentar na poltrona da sala.
-Vou ser desde que elas não me incomodem, desde que fiquem
longe de mim e me deixem em paz.
-Papai! –Os meninos descem as escadas juntamente com
Márcia e o abraçam. Enquanto conversam entre si, Sílvia mergulha em
pensamentos. Algo deverá mudar.
***
No fim daquela tarde, ele se ajeita outra vez na
poltrona, toma uma xícara de café e abre o jornal. A sala está quieta e deserta
como poucas vezes esteve depois do nascimento dos gêmeos. Consegue passar
alguns minutos imerso na leitura até que percebe que não está só. Ao olhar por
cima do jornal, vê Nina no tapete, engatinhando atrás de um urso quase
totalmente destruído.
-Sílvia? –Ele chama e olha para os lados. –A menina está
aqui! Sílvia?
Ninguém responde. Leonardo olha para a bebê com
estranhamento e depois volta a ler, tentando ignorá-la. Mas não consegue por
muito tempo e torna a abaixar o jornal para olhar para ela. Agora a menina já
está de pé e mais próxima dele. Quando o vê, começa a rir. Acha que ele está
brincando de esconder o rosto atrás do jornal e fica a espera do “Achou!”.
Leonardo bloqueia a visão com o jornal outra vez e foca
na leitura. Há novos acréscimos para as multas de trânsito, quase três vezes o
valor atual. “Nossa” ele pensa “a coisa está a cada dia pior”.
-Vovô!
Leonardo tem um sobressalto e abaixa o jornal de uma vez.
Tinha ouvido mesmo aquilo? Nina está vindo em sua direção e logo se apoia em
seu joelho.
-O que disse? –Ele sorri, um pouco assustado.
-Vovô! –Nina ergue os braços para ele. Parece gostar de
Leonardo de graça e, diferente da maioria dos adultos, não tem nenhum medo de
seus modos carrancudos.
Sem saber o que fazer, ele deixa o jornal de lado e a
pega no colo.
-Vovô! –Nina segura seu queixo com as duas mãos e começa
a balbuciar palavras sem sentido algum. O homem fica com cara de idiota,
sorrindo para ela, pedindo para que repita outra e outra vez mais até ela se
cansar.
Quando Roberta está vindo da cozinha, Sílvia a agarra
pelo braço.
-Psiu!
-O que foi? –Ela para e fica de queixo caído quando vê para
o que Sílvia está apontando.
Leonardo faz gracinhas para a neta. Está sorrindo e
alegre com ela no colo. Leonardo sorrindo e alegre? Roberta quase não pisca de
tanta surpresa.
-Você armou isso, né? –Ela pergunta a Sílvia, sorrindo.
-Só achei que ele precisava de uma mãozinha pra se
apaixonar por ela. Não foi muito difícil. Só disse a ela que ele era o vovô e a
coloquei para engatinhar até a sala. O crédito é dela!
Roberta ri enquanto espia, mas decide não incomodar. Não
sabe que, naquele instante, o coração de Leonardo se aquece e o amor que está
se expandindo em seu peito por aquela criança, se transformará aos poucos em
remorso, e em seguida, em uma vontade imensa de protegê-la.
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