A vida tem cor. Às vezes um marrom triste e desconfortável
nos faz perder o lugar, outras vezes um azul lindo irradia, trazendo motivos
para acreditar que cada respirar da manhã vale a pena. Há dias, porém que se compõe
de faixas e faixas coloridas formando imensos arco-íris que nos botam a
refletir se tudo tem algum sentido, ou foi feito apenas para ser visivelmente
inebriante.
***
***
Bolo. Delicioso e colorido bolo. Uma única velinha apagada. Todos
os convidados começam a ir embora empanturrados. A festa chegou ao fim,
finalmente. Foram horas agradáveis e estranhas, mas de um dia que ficará na
memória dos amigos, que de alguma forma, viram tudo acontecer de maneira
inesperada.
Vitória se despede, dizendo a Alice que logo a verá no
apartamento que irão dividir.
-A gente se vê! –A patricinha já não está com tanto medo de
dividir o lar com ela, como estava antes. As pessoas mudam e pelo que parecia,
o tempo trouxe melhores sentimentos a Vitória. Não só a ela, mas também aos
vilões costumeiros como Binho e Pilar... Eles também agora eram uma família e
já não canalizavam suas energias em outra coisa que não fosse a própria
felicidade.
Logo os vizinhos, pessoas famosas e fotógrafos vão embora. Roberta
suspira de alívio. Os paparazzis em torno de Eva, ela até estava habituada a
aturar, mas em torno de Nina era insuportável. Mas a cantora havia feito
questão de mostrar a “neta” (que não devia ser anunciada assim, mas apenas como
“Filha da filha da cantora Eva”) para os seus fãs nas revistas e na tevê.
Tomás, Pedro e Diego começam a colocar todos os presentes na
escada.
-Como vamos levar isso tudo? –Roberta põe as mãos na cintura
e olha para Diego.
-A gente dá um jeito.
-Depois eu peço o motorista para levar na casa de vocês.
–Franco entra na conversa. –Mas acho que alguns vocês vão ter que levar. –E
aponta para Nina brincando no meio dos presentes. –Ela não vai querer sair
daqui sem eles.
Roberta sorri, concordando, mas ao ver Alice se aproximar,
fecha a cara e desvia dela
.
.
Os garotos começam a levar os presentes para o carro
enquanto do lado de dentro, as garotas tentam ajeitar algumas coisas. Os
empregados passam em volta limpando e retirando os enfeites. Roberta se senta
no sofá e Carla vem ao seu lado.
-Que bom que você e o Diego já estão
bem de novo.
-A gente não consegue ficar muito tempo brigado.
Nesse instante Alice se aproxima e para frente a elas.
-Eu posso falar com você, Roberta?
Carla olha para uma e outra.
-Acho que vou deixar vocês sozinhas...
-Não! Fica. –Alice insiste. –Eu tenho que me desculpar com
todos por ter ficado tão fissurada na festa. Mas principalmente preciso me desculpar
com você Roberta. Eu fui uma idiota.
-Foi mesmo.
-Roberta... Ela está arrependida. –Carla tenta apaziguar.
-Arrependimento não é cola pra consertar confiança quebrada.
–Diz, cruzando os braços e encarando Alice.
-Eu entendo se não quiser me perdoar e...
-Perdoar eu perdoo. –Ela se levanta. –Mas como vou confiar
em você agora, Alice? Você defendeu uma desconhecida que fez a Nina chorar!
-Você tem certeza disso, Roberta? –Carla pergunta. –Isso é
uma acusação grave e ninguém viu nada.
Antes que ela responda, com toda energia raivosa de sua
garganta, os rapazes entram e interrompem a discussão.
-Mas o que está acontecendo? –Tomás vem primeiro e logo
todos estão olhando para Alice e Roberta.
-Eu estou tentando me desculpar... –Alice mexe nas unhas, envergonhada.
–Sei que fiquei um pouquinho obcecada com a festa e...
-Um pouquinho? –Diego a encara.
-Até você, Diego? -Ela se assusta. -Eu fiz o melhor que pude, tá?
-Colocou o rosa que pôde, quer dizer né?
-E o que você queria que eu fizesse, Roberta? Pintasse tudo
de azul ou preto? –Alice se zanga. –Infelizmente você tem uma filha, uma menina!
-Eu sei, foi o que o médico disse quando ela nasceu! E que
história é essa de “infelizmente”?
A coisa começa a ficar tensa e Alice vai na onda de Patrícia, repetindo tudo o que ela havia dito.
-“Infelizmente” porque se a Nina tivesse nascido menino,
seria muito mais fácil pra você!
-Tá ficando doida, Alice? –Diego interfere. –Isso não tem
cabimento!
-Claro que tem! A Roberta não sabe ensinar uma menina a ser
uma menina porque nem ela mesma aprendeu a ser uma!
-Vish... Agora ela morre... –Tomás tapa os olhos.
-Alice, você tá se ouvindo? –Diego fica pasmo. –Você tem
ideia do que está falando?
-Não, Diego, ela não tem! Mas eu só te digo uma coisa,
Alice: Pode tirar a sua eguinha da chuva, porque a Nina não vai ser uma patricinha
como você!
-E se ela quiser ser uma? –Alice põe as mãos na cintura. –O
que você vai fazer?
Roberta se assusta, mas diz confiante.
-Isso nunca vai acontecer!
É então que Pedro interfere:
-Gente, vamos nos acalmar. Tem um fotógrafo da Eva ali fora
que quer tirar uma foto da gente e desse jeito...
-Outro? –Roberta está farta deles. –Eles não tinham ido
embora?
-Ah, eu vou trocar de roupa então! –Alice sai saltitante.
Diego se aproxima de Roberta e segura seu rosto. Ela cruza
os braços, emburrada.
-Calma... Não leve a sério o que a Alice diz.
-Ela é...
-Você sabe como a Alice é... –Ele passa o cabelo dela para
trás da orelha, carinhoso e calmo, amansando seu espírito. –Anda, não vamos
estragar esse dia, tá? Logo a Alice vai perceber que está indo longe demais e vai
se desculpar. Deixa passar só hoje, vai?
Roberta pensa por um instante.
-Ok... –E revira os olhos. –Vou tentar não matar ela... “Hoje”.
-Mamã!
Nina a chama. Roberta sorri.
-O que quer, meu anjo?
-O que quer, meu anjo?
-Babi!
Roberta olha incrédula para a menina e logo a incredulidade
dá lugar a fúria.
-Alice! Foi a Alice!
-Roberta, fica calma... Talvez não tenha sido ela.
-Que “talvez ” o que, Pedro!
A menina insiste:
-Babi, mamã...
-Tão vendo só! A minha filha mal começa a falar e aquela
desmiolada ensina isso a ela? –Roberta fica contrariada e todos começam a rir
disfarçado.
-Acho que a Nina quer uma Barbie, hein Roberta... –Carla
ergue os olhos para ela, brincando. O rosto sacana.
-A Alice me paga! Eu vou torcer o pescoço dela!
E falando nela, Alice desce as escadas, com maquiagem
refeita e gestos delicados. Chega onde estão os amigos com um sorriso ingênuo
que se desfaz assim que percebe todos os olhares voltados para si.
-Que foi gente? Eu não demorei tanto assim. É que este
sapato não combinava com a roupa que eu estava.
Quando Roberta está prestes a matar Alice, Nina se levanta e
corre, se equilibrando na direção da patricinha. E quando chega até ela, abraça
suas pernas e diz, contente:
-Babi!!
E nisso, todos se olham. Logo uma chuva de gargalhadas soa.
Então é vez de Alice ficar uma fera.
-Robertaaaaaaa!!
-Essa é a minha garotinha! –Roberta ri, aliviada. –É a
Barbie, né meu amor?
-Não é nada! –Alice pega a menina no colo. –É dinda, meu
bem! Não escute a sua mãe! Fala comigo “din-da”.
Nina olha bem séria para ela e em seguida sorri.
- Ba-biii!!
E mais uma onda de gargalhadas vem para deixar Alice
irritada.
No final, a coisa toda acaba em muito riso em vez de morte,
o que é relativamente menos interessante, mas necessário para que a noite
aconteça como deve ser horas depois, ou seja... Romântica. Não que a amizade
tenha sido reatada, mas há coisas com as quais é melhor não mexer demais, é bom
deixar o tempo ajeitar.
Então a tarde, assim como o dia, se vai também. Apresenta-se
nesse momento a lua, brilhando no céu como única rainha. Deixa ao seu redor as estrelas,
que enfeitam como diamantes a imensa cabeleira negra da noite. E a
reconciliação ainda é pedida pela natureza, que deve se consumar muito mais do
que uma declaração aos ouvidos, mas em prazer e pertencimento.
Eles já estão em casa.
A noite fresca e silenciosa se desfaz com um barulho chato de tevê. Diego está
sem sono e da poltrona, fica mudando a todo o tempo de canal. Roberta desce as
escadas. O vê pelas costas e caminha até ele. De modo sutil e provocante, se
aproxima e senta em seu colo.
-Hum... –Ele fecha os olhos, sussurrando. –Saudade disso.
Sente o perfume dos cabelos dela, roçando em seu pescoço
e a maciez das maçãs do rosto em contado com sua pele. Então a envolve com os
braços e aperta, trazendo mais junto de si.
Roberta envolve seu pescoço com os braços e permanece em
silêncio.
-O que foi, minha linda? –Diego estranha, levantando seu
rosto. –Hein? No que está pensando?
-Bobagem. -Ela faz bico.
-Não é bobagem se te deixa assim. Anda, me diz...
-Ok... É que... Ah, é que eu fui colocar a Nina pra dormir e fiquei olhando pra
ela, pensando...
-Pensando em?...
-Será que do jeito que eu sou, vou saber lidar com uma menina? E se a Alice tinha razão?
-Pensando em?...
-Será que do jeito que eu sou, vou saber lidar com uma menina? E se a Alice tinha razão?
Então era isso. Diego sorri de modo terno. Se sente tão bem quando pode
cuidar dela, quando pode ser mais forte que tudo que a aflige. Nisso, procura o
controle e desliga a tevê. Olha bem no fundo dos olhos dela enquanto lhe
acaricia o rosto.
-Me ouça bem, Roberta. –Ele respira fundo, procurando as
palavras. –A Nina não vai se importar se você não ensinar a ela todos os tons
de esmaltes que existem. Não vai se importar se você não souber todas as marcas
de perfume, ou as últimas tendências da moda europeia. Ela vai ser feliz jogando
vídeo game com você nos sábados de manhã, ouvindo você falar sobre as bandas de
rock mais famosas do mundo e aprendendo a cantar ou tocar um instrumento com
você... E tenho certeza de que não vai se sentir menos menina por isso.
Roberta o encara, um sorriso vai florindo.
-Ela, assim como eu, quer aquilo que você tem de mais
incrível e forte... Que é esse coração imenso e maravilhoso, que você entrega
completamente quando ama alguém. Me entende? Sabe o quanto isso é valioso? E único?
Um nó se faz na garganta dela e não consegue responder.
Diego sente o mesmo, então os dois ficam se olhando, com um jeito idiota de
prolongar o silêncio.
-Eu amo tanto, mas tanto você. –A voz dela sai embargada.
-Também. –Ele volta a acarinhar os cabelos dela. –Também amo
tanto, tanto você. Não imagina o tamanho desse tanto.
Roberta liberta um sorriso e procura os lábios dele. Diego
aperta sua cintura ao sentir o beijo inesperado. E como se fosse uma brasa de
fogo, ele faz a língua deslizar intensamente, aquecendo o corpo dela, que
estremece em seu colo. Havia tanto desejo em um simples beijo, que estarem
sozinhos, era mais do que um convite ao corpo.