Roberta acorda desorientada, sente o
cobertor sobre seu corpo, mas percebe que não está na cama. O sofá onde havia
dormido, no entanto, está vazio. Lembrou-se aos poucos do ocorrido no dia
anterior e se levantou em um salto ao se dar conta de tudo.
-Diego! Diego!
Ele saiu correndo do banheiro assim que
ouviu.
-O que foi?
-Ai... Me assustei! –Ele relaxou os
ombros. –Achei que tinha saído. Com tudo isso...
-Mas ainda vou sair!
Ela olhou o relógio, faltava pouco para
as cinco da manhã e ainda estava escuro lá fora.
-Falar com meu pai. Nós não podemos
enfrentar o Leonel sozinhos, não sabemos nada de leis.
-Mas não acha que é meio cedo para ir
falar com seu pai?
-Eu não consigo dormir. Tive pesadelos
com Leonel e a gente no tribunal, onde o juiz dizia que a guarda da Nina era
dele. No sonho eu tive um acesso de raiva e voei pra cima daquele homem e
soquei a cara dele até sangrar, na frente de todo mundo. Nisso me prenderam e
você ficou sozinha, sem poder fazer nada.
Roberta engoliu a seco. O pesadelo de
Diego poderia mesmo se tornar real e era isso que não lhe permitia dizer
“calma, foi só um sonho ruim”, por que definitivamente poderia não ser.
-Vamos fazer assim: –Ela segurou o
braço dele. –Você vai pra cama. Eu faço um leite quente pra você e daqui a
pouco a gente se levanta, se arruma, busca a Nina e depois, com calma, você vai
falar com seu pai. Pode ser?
Diego mordeu o lábio, nervoso, encheu
os pulmões de ar a sorriu com esforço.
-Claro. –E segurando o rosto dela, lhe
deu um beijinho calmo. –Acho que é você que me impede de cometer bobagens,
sabia?
-Você acha? –Ela brinca.
-Hm! –Agora ri de verdade. –Meio
contraditório, mas é sim.
-Porque contraditório?
-Porque você sempre foi mais impulsiva
e se guiava pelos sentimentos quando tomava uma atitude do tipo... –Ele olhou
para cima, pensativo. –Ah, do tipo, bater em alguém!!!
Roberta riu.
-Acho que às vezes é mais inteligente
usar a prudência. Não dá pra ser uma selvagem sempre.
-É? –Diego fingiu decepção.
-Eu disse que não dá pra ser sempre. De
vez em quando ainda sei usar as garras. –Um sorriso cúmplice surgiu no rosto
dela antes de ir para a cozinha.
Diego sorriu de volta e então caminhou,
já bem mais leve, para o quarto.
***
Cerca de quatro horas depois...
O sol está morno, agradável e o céu de
um azul intenso enquanto Diego dirige pelo caminho até a casa de Eva com
Roberta ao seu lado, no banco do carona. Seus óculos escuros cobrindo o
mistério dos olhos fixos na paisagem do lado de fora. Nenhum dos dois tem
vontade de conversar. A companhia um do outro, a tranquilidade do momento e o
frescor da manhã são o bastante.
Ao chegar à mansão, eles são recebidos
na porta por Dani.
-Bom dia! Entrem! Acabei de por a mesa
do café!
-E a minha filhotinha? –Diego se adianta.
–Está dormindo?
-Que nada! –Dani encosta a porta. –Está
brincando lá fora, no antigo balanço que pertencia a Alice.
-Com quem? –Roberta fica curiosa.
–Minha mãe não pode estar acordada essa hora.
-Claro que não. Ainda está dormindo. A
menina está com Seu Franco.
O casal fica de olhos arregalados e se
vira um para o outro. Não parecia verdade. Então, sem acreditar que ouviram
direito, decidem ver com os próprios olhos.
Ao chegar ao quintal, a cena que
presenciam, se não estivesse diante deles, seria no mínimo, inimaginável.
Franco de cócoras fala com voz infantil e sorri de um jeito tão espontâneo que
nem parece o mesmo homem carrancudo com o qual todos estão acostumados.
Ele nem os tinha visto chegar até Nina
denunciar esticando os bracinhos.
-Mamãã!!
-Oi amor! –Roberta vai até lá e a
retira do balanço lhe dando um beijo na bochecha enquanto Franco se recompõe.
-E a lindinha do papai? –Diego começa a
conversar com a filha. –Se divertiu muito, foi?
-Papá! –E Nina apontou para
Franco.
-Que foi?
-O vô!
De repente um silêncio constrangedor.
Roberta olha para a filha.
-É... Nina, ele não é seu vovô...
-Claro que sou! –Franco sorriu. –Sou
casado com a Eva, a Eva é sua mãe, nada mais justo que eu seja avô dela!
-É sério isso? –Diego ficou feliz e receoso
ao mesmo tempo.
-A não ser que vocês se importem.
-Claro que não. –Roberta fica feliz.
–Você vai ser o avô materno que pensei que ela não iria ter.
-Por quê? –Franco se intriga. –Algum
problema com seu pai?
-Depois a gente fala sobre isso.
-Vamos pra dentro para vocês tomarem o
café da manhã e a gente conversa!
E assim fizeram. E na mesa do café
continuaram a conversa.
-Você conseguiu mesmo acalmar ela?
–Roberta não acreditou.
-Claro! Quem você acha que acalmava a
Alice quando ela ficava de pirraça?
-Nem imagino como você conseguia!
-Então minha pirralhinha estava de
pirraça? –Diego brinca com Nina.
-Eu não sei se foi isso. Na verdade
achei ela meio enjoadinha. –Franco fica sério e pensativo. –Mas deve ser o
calor ou talvez apenas um resfriado chegando. De qualquer forma, deem bastante
líquido a ela.
-Pode deixar.
-Mas sobre Leonel, não se preocupem,
ele não vai fazer nada, eu não vou deixar. –Franco garante.
-Obrigada. De verdade.
-Não por isso, Diego. Somos uma família
e devemos cuidar uns dos outros.
O casal finalmente percebeu que não
estavam tão sozinhos quanto acreditavam e que não teriam de enfrentar os
problemas completamente desamparados.
-Agora eu acho que temos que ir, não é
Roberta?
-Sim, vamos!
Os três se levantam e se despedem de
Franco que os leva até a saída.
Assim que a porta é fechada, Alice
desce correndo as escadas com várias sacolas nas mãos, assuntando o pai.
-Filha? Eu nem sabia que você tinha
dormido aqui!
-Eu não dormi, entrei escondido! –Ele
cochicha.
-Por quê?
-Porque eu e os outros estamos
preparando tudo para a festa de aniversário da Nina. Está em cima da hora,
temos que correr!
-Diego e Roberta não sabem?
-Não, vai ser surpresa dos “dindos”.
-De quem?
-Alô! –Ela bate os pés. –Dos padrinhos,
pai!
-Ah, sim... Mas olha lá o que vai fazer
viu?
-Vai ficar maravilhosa a festa, você
vai ver!
Alice saiu saltitando para a sala com o
celular em mãos, ligando para os outros. Logo Tomás, Carla e Pedro estavam lá
com os ouvidos em pé, diante de toda empolgação de Alice.
-Tem certeza? –Tomás achou estranho. –A
Roberta não vai gostar disso não.
-Também acho.
-Até você, Pedro?
-Amor... –Ele tenta ser delicado.
–Vamos fazer algo mais simples.
-Não mesmo! A Nina é uma princesa e
merece uma festa de princesa.
-Tô até vendo. –Carla cochichou com
Tomás.
-Estou aqui com o catálogo e preciso
que comprem para mim algumas coisas. Cada um vai ficar com uma tarefa.
-E qual será a sua? –Carla pergunta.
-Decorar e organizar, além de comprar a
roupa da aniversariante!
-“Aê cabô”... –Tomás desaba.
–Vai ficar parecendo a filha da Barbie.
-Ela vai ficar linda! Agora andem que
temos pouco tempo!
Os quatro se mexem para preparar tudo,
rodam de um lado e outro, fazem ligações e pedem segredos a todos os
convidados. Alice leva seu salto agulha para cada canto da casa e do quintal,
avaliando onde ficariam as mesas, o bolo e os brinquedos. Tudo deveria ser
perfeito e todos os detalhes teriam um toque cintilante.
***
Distante dali, porém, os dedos de Roberta passeiam nos de Diego sem nenhuma pressa. Sentados na grama, o casal conversa
enquanto Nina brinca a frente deles. O parque está calmo, o vento fresco e a
manhã ainda agradável.
-Não vai não... Fica mais um pouco com
a gente...
-Eu preciso falar com meu pai. Você
sabe!
-Mas não precisa ser agora. Por favor,
Diego.
Ele respira fundo, tenso e chateado.
-Oi! –Roberta o sacode. –Me ouve! Vamos
ficar com a Nina um pouquinho... Ela sente a nossa falta! Vamos ficar nós três
só o restante da manhã! Deixa de ser chato, vai!
-Roberta! Você só pensa no agora?
-Claro! –Ela dá de ombros.
-Mas eu não. Eu estou pensando no
futuro quando não ficaremos com ela em momento algum se eu não tomar uma
providência.
-E pelo futuro vai estragar o agora?
-Eu não quero estragar nada!
-Mas não parece! –Roberta fica brava e
desvia o olhar.
Com a mandíbula cerrada, fica apenas
olhando para as plantas ao redor, para as crianças comprando pipoca em
carrinhos vermelhos e homens, que geralmente deviam usar calças toda a semana,
com suas canelas brancas à mostra naquele dia de folga. Todos parecem tão
felizes que ela sente náuseas por Diego impedi-la de sentir o mesmo.
-Roberta!
-Não foi ainda não?
-Ei! –Ele sente a hostilidade, mas ela
não lhe dá atenção e se volta para Nina, se levantando e recolhendo-a do chão.
-Vem meu amor. Vamos pra casa. –Diz
antes de deixar Diego para trás.
-Roberta! Aonde você vai?
-Embora! Mas pode ir pra onde quiser,
nós voltamos de táxi! –E se virou novamente para o caminho.
-Não! Espera! –Ele vai atrás dela, que
acelera o passo em meio às pessoas.
Algumas mexas de seu cabelo voam com o
vento, outras são presas pelo bracinho de Nina que está agarrada ao pescoço da
mãe a mirar com olhos esbugalhados o pai correr atrás delas.