Temos
espalhadas por todo nosso corpo pequenas armadilhas de emoção. Os ouvidos,
assim como os olhos e a pele captam carinho, força, perdão, raiva, desprezo e
amor. Todos os sentimentos são captados por nosso cérebro, por nossos órgãos,
por aquilo que é sensível e misterioso nos seres humanos. Somos divinos ou
animais? Simples seres sem importância ou somos uma espécie que desde o
primeiro vestígio de vida começa a sentir? Afinal como dizer quando começamos a
sentir? Quando começamos a perceber as coisas? É preciso ser grande para
entender que alguém nos quer como mais ninguém no mundo poderia querer? Ou a
vida que não expressar não é vida?...
***
O dia logo
iria amanhecer e Diego não havia nem sequer cochilado. Muitos pensamentos,
muitos medos e incertezas. Sentia remorso por pensar que talvez o futuro mais
provável pudesse ser o melhor. Em uma parte a médica estava certa, eram muito
jovens e talvez não soubessem o que fazer, mas por outro, sentia algo incrível
quando pensava que havia um novo ser que era uma mistura dele e de quem mais
quer bem na vida. Não conseguia imaginar nada mais incrível.
Está sentado na cama com Roberta dormindo em
seu ombro quando ao olhar para a mesinha do lado da cama, vê alguns panfletos e
resolve ler. Quem sabe pudessem trazer um pouco de sono. Depois de algumas
olhadas ele se depara com um em especial. O assunto que naquele momento mais
lhe despertava curiosidade. Abre e passa os olhos minuciosamente nas palavras e
imagens, deixando a madrugada passar calada.
Não demora
muitos minutos até Roberta despertar e não senti-lo ao seu lado. Encolhe-se de
frio e mal estar antes de abrir os olhos e ver que ainda está escuro lá fora.
Seu sono estava leve e preocupado e era de se esperar que logo acordasse. Sente
a testa um pouco suada, um suor frio, um desconforto corporal.
-Diego? O
que está fazendo? –Ela o vê sentado no final da cama de costas.
Ele olha
para ela e sorri, volta para o folheto que tem em mãos e respira fundo.
Roberta sorri
tristemente e sente um nó na garganta. Diego continua a ler.
-Ele se mexe
o tempo todo, mesmo que seja pequeno demais para ser notado. Os hemisférios cerebrais ainda se desenvolvem. Os olhos
estão ganhando forma e os ouvidos nessa fase aguçam a capacidade auditiva...
–Diego para de ler lambendo os lábios e segurando firme o papel.
Um silêncio
momentâneo enquanto os dois se olham. Roberta encontra uma dor no peito e se
agarra a ela, uma dor de imaginar uma vida em formação, tão perfeita quanto uma
estrela, quanto um pedaço de céu, quanto uma gota cristalina em mares
tropicais... Perfeita, frágil e com provavelmente poucas horas restantes de
existência.
-Tem olhos? -Sentada
sobre a cama, ela fixa o olhar em Diego de uma forma suplicante.
–Tem... E
aposto que lindos como os seus. -Ele se aproxima dela, acariciando seu rosto.
-Pernas...
Braços...?
-E um
coraçãozinho... –Eles sorriem juntos, um tanto sem jeito e emocionados. –Diz
aqui nesse folheto que o coração bate muito mais rápido do que o nosso. Quase
150 vezes por minuto.
Roberta olha
as imagens e não lê. Volta a visão para o namorado.
-Você quer
ele, Diego?
-Você não?
–Ele parece com receio da resposta dela.
-A gente
nunca planejou isso. –Ela não o olha. –Foi um enorme acidente, algo que não era
pra ser...
-Roberta...
-Aquela
médica insinuou que a gente não tem condições de ter um filho e concordo com
ela. Não temos emprego fixo, estamos sempre brigando, não terminamos a
faculdade e nem temos casa pra morar.
-Tá certo,
eu concordo também. –Diego reconhece. –Mas eu pensei que você... Que eu...
-Essa
criança é nossa! -Ela fixa os olhos nos dele, determinada. – E eu quero ela,
Diego!
-É sério?
–Ele se espanta.
-Quero. Que
se dane todo mundo! –Roberta parece certa do que diz. –Não me importa o que
aconteceu ou o que vai acontecer. Essa criança é nossa, tá em mim e eu quero
ela!
Diego a
abraça contente com a resposta.
-Ah minha
linda, tudo vai dar certo, você vai ver...
-A gente vai
fazer dar certo.
Ao soltar-se
pouco a pouco do abraço, Diego se lembra que Roberta ainda não sabe de toda a
história e vendo suas esperanças se acenderem, crê que precisa diminuí-las para
evitar desgostos.
-Eu preciso
te contar uma coisa. –Ele procura as palavras. –Eu tenho medo de que você se
apegue demais...
-Por que...?
–Ela fica angustiada.
-A médica deu
algumas horas para que se nada acontecesse a gente voltasse pra casa.
-E o que
pode acontecer? –Ela pensa e em seguida diz baixo, como se o simples pronunciar
fosse um perigo. –Um... Aborto?
-É... Um
aborto espontâneo. –Ele completa e apanha forças para contar sobre os demais riscos,
vendo-a se desintegrar em sua frente. -Ela não acredita que o bebê possa sobreviver
mais que algumas horas por causa dos remédios que você tomou.
-Eu não
sabia...
-Claro que
não... –Diego segura o rosto dela. –Você não tinha como saber.
-Mas e se
ele sobreviver mesmo assim?
-Bom... –Ele
sente que precisa cortar mais uma raiz de esperança. –Mesmo que sobreviva pode
nascer com problemas. Vários órgãos podem ser comprometidos.
Roberta se
desfaz inteiramente, as esperanças indo lentamente para um ralo sujo e medonho.
Diego fica esperando sua reação, mas ela permanece em silêncio olhando para as
mãos sobre os joelhos, obrigando-se com todas as forças a conter o choro. De
repente, sem se mover ela pergunta.
-O que dizia
aquele folheto?
-Como?
-A audição. –Roberta
ergue a cabeça para olhá-lo. –A audição no sétimo mês fica aguçada, não é? Não
é o que diz?
-É, mas o
que isso... –Diego tenta se situar, ainda está na outra conversa.
-Quando a
gente ouve as pessoas nos chamando no palco a gente não corre até lá, pra elas?
-Sim, mas...
-Quando
alguém nos diz que somos fortes não tentamos ser tão fortes quanto a pessoa
acredita? –Roberta se agita. –Quando alguém nos ama, não queremos ficar com
essa pessoa?
O namorado
sorri e aperta a mão dela. –É sim.
-Então
precisamos fazer ela saber Diego! Essa criança precisa saber que é bem vinda,
que não está sozinha! –Roberta fica pálida, a voz ficando mais baixa ao final
da frase. –É uma rebelde e vai nos
ouvir. Vai nos ouvir sim e...
-Ei... –Ele
percebe. –O que foi? Roberta!
A brancura
da neve se instala em sua pele e quando Diego percebe que há uma hemorragia
surgindo no lençol, enlouquece porta a fora. Chama todos que encontra,
enfermeiros, médicos e até pacientes. Fica totalmente sem rumo.
-Espere aqui
fora! –É a ordem da enfermeira que entra primeiro.
Diego leva as
mãos à cabeça e não faz outra coisa que não rodar de um canto a outro, sentando
e levantando da cadeira a todo segundo. A médica entra e permanece com Roberta
por alguns instantes, que para ele, foram longos demais.
-Rapaz. –A
mulher ranzinza fecha a porta para falar com ele. –Não se preocupe, sua
namorada está bem.
-E aquele
sangue era...
-Não, não era
o feto. Ele ainda está vivo, mas não vou dizer que por muito tempo.
-E eu já
posso entrar? -Diego engole a vontade de ser grosseiro com a mulher. A primeira
preocupação é ver Roberta.
-Pode. Ela
está dormindo e deve permanecer assim por algumas horas, lhe demos um calmante.
Será melhor o aborto ocorrer enquanto ela estiver dormindo.
Drª Cecília
sai, deixando Diego com vontade de estrangulá-la. Não consegue pensar em como
alguém pode agir com tanta frieza.
Ao entrar no
quarto ele a vê encolhida, ainda pálida. A cabeça pendendo um pouco para a
direita, os cabelos cobrindo a bochecha. Uma expressão distante da realidade. Ele
se aproxima e beija sua testa, senta na beira da cama e respira lentamente,
como se estivesse difícil cumprir tão instintiva tarefa.
Faria o que
ela acreditava. Talvez Roberta soubesse melhor que qualquer um, já que a vida
estava crescendo dentro dela. Ele leva as mãos até o lençol e o puxa para
baixo, levanta a blusa de Roberta com cuidado até a altura do estômago e lhe dá
um beijo abaixo do umbigo.
-Ei...
–Diego sussurra de um jeito calmo e lento. -Você é novato por aqui, então tem
que saber uma coisa. Roberta me deve um pedido, ela não pode deixar de cumprir.
Mas agora você e ela... Vocês estão juntos agora... –Diego se enrola com o
coração aos pulos. –Você também deve cumprir junto com ela o meu desejo.
Roberta não pode sozinha, você precisa ajudar.
Diego olha para
cima, o rosto dela ainda apagado, continua contraditoriamente tão radiante
quanto o próprio sol que logo nasceria. E voltando os dedos em uma carícia para
aquela pele clara, conclui ainda mais sussurrado.
-Eu quero
que você viva. Ouviu? Quero que viva! Não quero mais nada além de Roberta e
você. Esse é o meu terceiro e último desejo para toda a vida.
Ooooowwwnt q dengo posta maais !!!
ResponderExcluirAline amei d+++, qnd vc tem previsão de postar o outro ?
ResponderExcluirsuper ameeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeei
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