Cap 29 (Faculdade) -O relógio do quarto

 É incrível como alguns momentos são tão bons que fazem com que você esqueça todo o resto que acontece. Talvez se te perguntassem teu nome nem saberia responder, de tão centrado em uma única coisa, que pode ser uma mão junto da sua, um olho dentro do seu ou simplesmente um abraço. A verdade é que quando estamos junto de alguém, seja lá quem for - o importante é que seja alguém especial -, nos anestesiamos do mundo sem qualquer noção disso.

 Roberta cola o ouvido ao peito de Diego e ouve batida após batida. O edredom vem lhe cobrir as costas nuas e os braços dele, quentes, lhe contornam. Aqueles dedos carinhosos saem da cintura e mexem em seu cabelo, sempre assim, revezando, se embaralhando em meio aos cachos quase secos.

 Diego sorri e vai experimentando as curvas dela sobre seu corpo. A textura, o aroma, o calor e a beleza de Roberta o vão embriagando. Estão quietos e o piscar é lento. Logo ele suspira.

-Estou te incomodando?

-Ah, com certeza... –Ele é irônico e a aperta mais nos braços arrancando um riso dela.

-Diego.

-Hm?

-Nada...

-Pode falar. –O namorado deita o rosto sobre a cabeça dela.

-Pode ser idiota o que eu vou dizer...

-Vindo de você?

-É sério... Eu não consigo viver mais nem um segundo sem você... Quando ficamos assim chega a doer.

-Ué, por quê?

-Eu não sei. –Ela olha para cima por um segundo e volta a deitar. –Disse que era idiota.

-Não é idiota. A gente só... –Diego tenta entender. –A gente é parte um do outro. Qual seria minha história sem você?

-Talvez tivesse ficado com uma patricinha e fosse viver em um castelo do reino encantado. –Ela zomba.

-E você então? Talvez tivesse encontrado um guitarrista de heavy metal e fosse viver aventuras com ele pelo mundo.

-Não, eu prefiro a nossa história. –Diz se aconchegando e o abraçando ainda mais forte.

-Eu também. Além do mais você é a princesa perfeita pra mim e não preciso de reino encantado.

-Hm... –Roberta sente um conforto no coração. –E você já me faz viver aventuras até demais... -Ela insinua o acontecido na praia.

-E vamos viver muitas outras... Afinal ainda tenho dois pedidos...

-Safado. –Roberta dá um tapa no braço dele, rindo. –Todos os seus pedidos vão ser como o de hoje?

-Basicamente.

-Ei!

-Ué, to sendo sincero! –Diego ri.

-Tudo bem, eu vou correr esses ricos... Eles estão bons demais...

 E quando ela ergue um pouco a cabeça, encosta o rosto no dele, iniciando um beijo. É tão calmo e tão confortante no barulho da chuva, que vão se perdendo no sabor e no movimento contínuo, fazendo-o durar tantos minutos quantos são possíveis. Quente, molhado, arrepiante... Buscam dentro do outro um abrigo, um refúgio seguro para o espírito eternamente faminto.

  O quarto é de tons amadeirados, a janela é enorme e tem vidros claros e transparentes por onde podem ver os clarões dos raios que ficam cada vez mais fortes. A cama e todos os móveis tem um verniz marrom e a sensação é de estar em uma fazenda antiga ou algo do tipo. Através da imaginação conseguem sentir o cheiro da floresta, sim, esse cheiro de terra, plantas e pureza que a cidade não conhece com sua massa de concreto firme e hostil. A natureza tem algo que atrai e a gente sabe porque.

 Eles estão isolados e quietos sem nada a incomodar. Somente as batidas permanecem fazendo companhia aos sons que da respiração cansada do beijo que vai terminando e deixando bocas vermelhas e grossas, ainda a distribuir selinhos demorados.

 De muito perto, Diego passa a mão pelo rosto dela que volta a deitar em seu peito. Vai desenhando seus lábios com os dedos, indo até os olhos fechados e tocando de leve os cílios nos cantos, ajeitando a sobrancelha atrapalhada e por fim dando um beijo sobre sua testa para retornar à tão amada monotonia daquela noite.

 Tudo estava indo tão tranquilo que ele acredita que Roberta começa a dormir e tenta se concentrar em outra coisa que não o corpo dela, nu, sobre o seu, coisa que não está sendo muito fácil.

 -“Dormir Diego... Dormir... Tenta contar carneirinhos...” –Ele pensa e abre os olhos tendo a visão dos cabelos dela. “Acho que vou contar cachinhos.”

-Sem sono? –Ela sorri para ele.

-É... Tá difícil...

-Eu sei que tá.

 Roberta entende bem o que está acontecendo e há tempos havia percebido nos sinais do corpo dele que estava mais acordado que nunca.

 Começa então a beijar seu peito, descendo por sua barriga, arranhando e mordendo...

-Olha... –Ele se surpreende. –Isso não vai me ajudar a dormir...

-E quem disse que eu quero que você durma?

 Ela está pegando o ritmo dele, sua forma picante. Sobe até seu pescoço, lhe causando leves vibrações por todo corpo quando o morde.

 Diego sorri com os olhos um pouco cerrados, deixando que ela faça o que bem quer, somente abraçando seu corpo por baixo daquele edredom que está ficando quente até demais.

-Então, você quer competir, né?

-Eu? –Ele não entende o jeito travesso dela.

-É... Mas vou realizar os seus desejos, até aqueles que não me pedir...

 Banhado por toques suaves das mãos dela, por arrepios causados pela presença da boca de Roberta percorrendo seu corpo, ele vai se sentindo dominado. É como ter uma fera sobre si a farejar e lamber antes de devorar a presa por completo, até os ossos.

 São minutos a fim em que a probabilidade de ficar desanimado e conseguir dormir vai diminuindo mais rápido do que imaginava.

-Você sabe onde isso vai parar? –Diego fala entre arrepios.

-Se sei...

 E as poucas palavras caem de sua boca junto com o edredom que lhe cobria. Ela permanece sentada ainda sobre as pernas dele que fica imóvel por um milésimo de segundo e depois em seguida se ergue encontrando seu peito com o dela, contornando-se um no outro em um abraço terno.

 É ela quem conduz e quem dirige o espetáculo do começo ao fim. O beija com profundidade e delicadeza, mesmo que algumas vezes lhe enfie as garras como uma leoa e conduza o ato de fazer amor com um êxtase feminino que o enlouquece.

 Não está com pressa e os movimentos são lentos, cada pedacinho do outro é sentido intensamente e as ondas de prazer são inúmeras e incontáveis. Rolam sobre o colchão, se beijam, se apertam e se levam de um lado e outro, com abdomens colados e quadris inquietos, sempre em um ritmo suave, como uma dança, um tango desvairado e repleto de contorções involuntárias que terminam com cansaço, suor e finalmente, muito sono...

 

  Ainda naquela noite, no apartamento de Caio:

 Todos já tinham ido para casa e Tomás anda de um lado e outro irritado.

-Calma cara.

-Que calma, o que!

-Ei, tudo vai dar certo. –Caio tenta acalmá-lo. –A Carla só precisa de ajuda.

-Ela tem ajuda, tem apoio, mas não quer!

-Ela tá doente. Distúrbio alimentar é uma doença psiquiátrica, não é uma bobagem que dá nas pessoas e passa.

-Sério? -Ele começa a amolecer.

-Sério. Sua namorada precisa de médicos sérios que cuidem dela e talvez até internação. Se eu fosse você não a abandonava agora, ela vai precisar de apoio.

 Tomás fica pensativo e ao mesmo tempo bravo por a namorada não ter cumprido a promessa de se cuidar, mas mesmo assim a preocupação aumenta cada vez mais.

 Longe dali, no loft de Vicente e Beck, Carla mexe no notebook da irmã. Digita com velocidade enquanto as lágrimas correm nos olhos. Lágrimas de ódio, de rancor, de melancolia e desamparo.

“Eles não me entendem! Eles mentem pra mim! Eu não tenho amigos!”

 Conforme o msn vai sendo lotado de mensagens ela vai sentindo como se desabafasse. A amiga virtual que conheceu no blog de Ana e Mia lhe ampara com palavras que só elas entendem.

“Eles não são como nós, eles vão morrer cheios de papadas horrendas, sedentários e feios enquanto nós morreremos lindas, como anjos... Esquece eles Carla.”

 A madrugada começa e a cozinha escura acompanha os barulhinhos dos dedos de Carla a bater nas teclas. Os pés gelados, encolhidos no sofá, o choro já causando dor de cabeça... Nada é percebido. Ninguém percebia nada de diferente nela, talvez por todos estarem sempre ocupados e ela também quase não parar em casa. Tudo colaborava com a solidão, que em excesso, é uma péssima companhia e perigosa conselheira.

 Sono...

 Roberta acorda com a respiração de Diego em sua testa.

-“Meu Deus, eu cansei ele mesmo!” –A vontade de rir era enorme, mas ela fica somente com o pensamento.

 Estão esparramados sobre a bagunça de lençóis, travesseiros e cobertores, abraçadinhos como gostavam de dormir.

 Ao retirar os braços dele de cima dos ombros ela se levanta bem devagar enrolada em um lençol a procurar um pijama, já que o frio estava começando a maltratar naquela madrugada.

“2:30?” –Ela observa o relógio pendurado perto da porta do quarto e acha muito tarde.

 Cansada de procurar e temendo acordar Diego com o barulho, ela se enrola em um cobertor e desce as escadas. Tudo está apagado e conforme desce vai aparecendo uma luz fraca do lado esquerdo que dá na cozinha. É pra lá que ela segue.

 Algum tempo se passa e o namorado sente falta do calor dela ao seu lado.

-Roberta? –Ele a chama ainda sonolento. –Roberta?

 Sem resposta, ele vai até o banheiro procurar, mas não a encontra.

-Será que ela foi lá em baixo? -Diego coça a cabeça ainda com os olhos apertados e antes de voltar para a cama observa o relógio.

“3:40.”


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