Cap 99- Última música para o Elite Way

 A maneira como manipulam o guarda-roupa deixa Otto apreensivo. O menino ainda está com a mochila da escola e os tênis sujos de brincar no parque.

-Pega tudo e leva pro carro! –Rodrigo entrega envelopes para Pablo que tem o rosto estranho.

-A gente tem que ir embora! Tá muito cheio aqui!

Otto só fica olhando quieto, como poucas vezes era visto. Está assustado, esperando qualquer coisa. Já havia dito o que queriam saber e só tinha uma vontade: Sair daquele lugar e voltar para casa do tio, mas algumas coisas não eram assim tão fáceis e ele sabe bem disso.

 No jardim do colégio a grama nunca fora tão pisoteada. Tropas inteiras de pais se enfileiram para se gabar dos filhos sempre um degrau acima do que outro pai ou mãe fazia.

 A tarde agradável naquele final de ano é uma confraternização repleta de calmaria onde se pode ver, cheia de sonhos e rumos sendo traçados.

 O pai de Roberta chega aflito perto da mesa onde Eva se encontra tranquila com o marido.

-Onde está minha filha?

-O cordão umbilical foi cortado há 18 anos...

-Eva! –Ele se zanga.

-Ué, procura! Deve estar com os amigos! Porque toda essa pressa?

-Eu tenho que viajar de volta agora. Ocorreu um problema e...

-Mas é a formatura da sua filha!

-Eu sei, mas não posso! –Ele olha os lados procurando Roberta. –Olha, você não poderia...?

-Nem vem! –A cantora levanta a mão como um muro.

-Eu só quero que entregue esse presente a ela.

-É sua filha! –Ela fica nervosa. –Espera e entrega você!

-Por favor, Eva! –Ele estica a mão e com muito custo a cantora pega.

-Um cheque?! –Ela desdenha escandalosa. –Você nem foi capaz de comprar um presente?

 Mal ela pôde brigar com ele e já o tinha perdido de vista. É o tipo do pai que cumpre as obrigações, mas só isso, o que é obrigado pela justiça e pelo senso comum, até por sua própria culpa, mas sempre sendo obrigado.

 Quando os rebeldes se reúnem, alguns minutos mais tarde antes de ir embora, conversam sobre muitas coisas embaixo do sol fresco, entre elas, o show que fariam à noite no colégio e sobre as férias.

-Nós vamos viajar! –Tomás segura as mãos de Carla que está entusiasmada.

-Sabem a escola de dança em que competi esses meses atrás? Pois é, eu perdi a competição, mas eles me ofereceram um contrato para me apresentar pela Europa com eles.

-Nossa! Parabéns Carla! Você merece! –Todos a enchem de parabenizações, felizes por saber que ela merece tudo isso.

-Pena que ela vai carregar uma mala à tira colo.

-Ha, ha, ha... –Tomás nem se importa com o comentário de Diego e abraça Carla.

-Gente! Eu também vou viajar!!!

 Pedro olha para o sorriso gritante de Alice.

-Vai?

-É... Meu pai me deu uma viagem para Nova York como presente de formatura.

-E a gente? –O namorado fica preocupado. –Ia me contar isso quando?

-Amor, eu recebi o presente agora!

-Ei, ei, ei! Depois vocês batem DR! Hoje não! –Carla os corta.

-Você também vai?

-Com a Alice? Nem morta! –Roberta tranquiliza Diego. –Meu pai me deu um cheque de presente e minha mãe até quis me dar uma viagem também, mas eu preferi o dinheiro.

-Sério? –Diego, assim como os amigos, fica encucado.

-É... Se eu quero ser independente é melhor começar a economizar.

-Vocês não vão viajar então? Porque se fossem iam juntos, né? –Tomás deduz.

-A gente tá vendo isso, né linda?

-É... –Ela completa Diego. -Estamos vendo ainda, porque a gente quer se preparar pra sair de casa e tudo mais. Tenho que ver o apartamento das amigas que falei...

-Ah, mas isso tem tempo! –Alice olha para eles achando que estão se antecipando muito.

-O ano que vem vai ser muito importante. –Roberta está consciente. –Eu não vou deixar de me divertir nas férias, mas também não vou deixar tudo pra última hora.

 Um segundo de silêncio é quebrado por Tomás.

-E a rebeldia? –Ele vê neles um meio sorriso vasar com a palavra. –Ainda vamos ser pra sempre?

 Ele coloca a mão no meio e de pronto os outros fazem o mesmo. Com um só grito eles escrevem no tempo.

-Rebeldes para sempre!!

 A tarde passa e a noite os recebe iluminada. Havia enfestes e luzes prateadas por todos os lugares. O pátio nunca havia estado tão bonito e repleto de pessoas ansiosas para ouvir a banda formada por seis dos formandos daquele colégio, mas algo está mesmo errado. Faltam poucos minutos e não conseguem encontrar Diego em nenhum canto.

-Roberta e o celular? –Carla está aflita.

-Tá na mochila que ele deixou comigo.

-Vocês têm 10 minutos! –Leila informa.

-Eu vou atrás dele.

-Eu ajudo! –Pedro sai atrás de Roberta deixando os amigos com a ansiedade à flor da pele.

 A noite escura e propensa a muitos sustos acaba por propiciar também alguns tropeços inexplicáveis. As vantagens de um segredo, a proteção que um irmão oferece incondicionalmente é maior que toda a certeza do certo ou errado.

-Onde será que ele foi?

-Se eu soubesse ia lá, né?

-Calma, Roberta!

-Foi mal, eu to muito... –Ela para perto de uma árvore e o pensamento ferve. –Vamos por aqui.

-Aqui? Mas...

-É, vamos! –A rebelde avança com Pedro logo atrás dela. Tem algo em sua mente que lhe diz que precisava ir até “aquele lugar”.

 Ao se aproximar do quarto 16 eles ouvem um barulho como algo sendo brutalmente quebrado.

-Diego? –Pedro avista o amigo saindo pela porta que acaba de arrombar.

-O que aconteceu? –Roberta chega até o namorado que está ofegante.

-Pablo.

-Ele te trancou?

-Eu vi o Rodrigo por aqui e estranhei. Quando fui falar com ele senti uma pancada forte na cabeça e quando percebi estava aqui dentro. Ouvi tudo ainda meio tonto, quando perceberam que eu tava acordando eles fugiram, me trancaram...

-E levaram tudo. –O garotinho surge de dentro do quarto com enormes olhos para Roberta.

-Otto?

-De novo? Mas você...

-Nada disso! –Roberta se apressa e interrompe Pedro. –Temos que fazer o show, nos contem no caminho.

 E enquanto praticamente correm pela grama, Diego vai explicando tudo a eles.

-Pablo teve problemas graves no cruzeiro e por isso não voltaram para Portugal. Foi pego com drogas e subornou o vigia do navio que aceitou, mas desde então não parou de chantageá-lo. Bom, entendi assim.

-Continua cara... –Pedro o induz.

-O que Rodrigo não sabia é que Otto vivia fazendo favores pro Pablo, buscando algumas “coisas” proibidas para ele do lado de fora, como era criança não seria suspeito, nem mesmo sabia o que estava fazendo.

-Drogas? Por isso agiu tão estranho aquele dia quando desmaiei, estava fora de si. –Roberta avança cada vez mais rápido ainda acompanhando todo o raciocínio.

-Vamos ligar para a polícia e para o tio do Otto! –Pedro já vai pegando o celular.

 No palco, Leila e Jonas brigam pelo microfone. Era para enrolar a plateia, mas já estavam fazendo mesmo é quase todos caírem das cadeiras de sono.

-Estamos muito contentes e orgulhosos dos nossos formandos...

-Sim, muito contentes... –Leila se apodera do microfone. –São muito queridos esses alunos... Não só esses... Todos...

-Leila! –Pingo a chama de trás das cortinas sem alardes. –Eles chegaram.

 Uma estrela alta entrou no campo de visão de Roberta quando pisou no palco à céu aberto. Sorriu para ela em silêncio ao entrar, dedicando as canções que viriam ao futuro, às vontades de crescer, de brilhar como aquele pequeno ponto de luz.

-Pronta? –O olhar do namorado a chama para a terra e a mão dele estende-se a sua frente.

-Sempre!

 Ao ouvir o barulho que faziam na plateia a adrenalina toma conta deles. Os pés não conseguem ficar parados com as vozes e os instrumentos se misturando, enlouquecendo o ar, vidrando os olhos em uma magia real e alucinante.

 É o show da vida deles, o primeiro e o último para todos do Elite Way enquanto ainda estão juntos, enquanto ainda são parte de tudo isso, enquanto ainda lhes resta algumas páginas a serem completas dessa história de amizade, amor, encrencas, sonhos, desafios, mistérios e aventuras. É o dia de sorrir para cada rosto e levar dele algo completamente puro, sem receios, sem maldade ou ressentimentos. É um fim digno para uma beleza ímpar que tem um ciclo ao se completar.

 Até mesmo o diretor Jonas com seu aspecto turrão, às vezes cômico e desajeitado seria alvo de saudade. Os quartos dos meninos, das meninas... O jardim e a piscina... Lugares dos quais já haviam se despedido, mas ainda sentiam como se não... A música os impregnaria agora, como um último adeus...

 ...

 Roupas de show de lado. As meninas entram no quarto para se trocar assim como os meninos deveriam estar fazendo.

-Baile... Não achei que o Jonas iria deixar.

-Ele tá muito bonzinho depois que voltou das férias... –Roberta calça o sapato enquanto conversa com Alice.

 Carla sai do banheiro de vestido longo, um azul marinho de alças finas e detalhes marcantes. Maquiagem e penteado simples compõe uma beleza muito natural e sofisticada.

-Hm, arrasou amiga! –Alice para de se maquiar para admirá-la.

-Obrigada, vocês também estão lindas, mas é melhor a gente se apressar.

 Alice sorri para o pequeno espelho que tem em mãos gostando do resultado que vê. Os cabelos lisos e um vestido romântico em um tom que quase não contrasta com sua pele, saias soltas e leves como plumas dão o balanço.

-Acabei!

-Até que enfim! –Roberta salta da cama.

 Da cabeça aos pés é o contraste de Alice, não só pela força que contém no olhar que lança, mas todo o conjunto é capaz de captutar quem quer que fosse por tempo indefinido se entrasse em seu campo de visão. Os cabelos presos deixam alguns cachos finíssimos rodeando a testa, a orelha e os ombros. Alguns enfeites simples, gostas de cristal quase imperceptíveis, se espalham onde um coque se apresenta propositalmente bagunçado. O vestido, também longo, como exigência do diretor, é um tomara que caia com uma leve puxada também em “v”, justo na cintura, mas se tornando leve ao descer o quadril e ao longo das pernas.

 Ao descer, Roberta, Alice e Carla param no topo da escada. Logo abaixo os meninos as esperam, todos praticamente iguais em seus ternos negros.

-M.I.B?

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