Cap 77- Amigo inconveniente

E talvez fossem os sentimentos toda a causa, talvez fossem eles no começo do mundo o que realmente impuseram a existência. Dizem que tudo explodiu, mas talvez não fosse para amedrontar, talvez fosse um amor tão grande, mas tão grande, que precisasse de muito mais espaço...

 E quando ficamos sozinhos levamos dentro do peito a sensação de que tudo nos olha para nos fazer mal, que tudo que há em nossa volta tem olhos e poderes. Que somos insignificantes e frágeis ao desconhecido.

 Ela sabe que não está só e não quer temer nada. A única coisa que temia, Roberta mesmo já havia dito, era perdê-lo. Todas as causas, todas as vozes medonhas e ataques da noite jamais conseguiriam fazê-la se assustar a esse ponto.

 Mas agora lá está ela, recebendo um beijo úmido sobre a garganta, tendo sua blusa erguida pelas mãos dele. O coração não sabe se trabalha ou se para de vez. Ele vai devagar sobre ela que não contém os arrepios bravos que a perseguem.

-Como você consegue... –Ele beija seu queixo e sobe ao seu rosto. –Fica mais linda cada vez que te olho...

-Hum... Diz isso porque você me ama...

-Por isso e por que é verdade!

 Roberta pensa um momento entre os carinhos.

-Estamos que nem aqueles casais de filme meloso. –Ela sorri segurando o rosto dele.

-E tá ruim?

-Que ruim o que! –Ela se vira sobre ele. –Eu amo você... Tanto até pra isso... –Ela ri.

-Ah, é?–Ele a olha estando quase escondido embaixo de seus cachos. –Até para se tornar uma garota apaixonada de romance clichê?

-Qualquer coisa que você quiser...

 E Roberta desce sobre sua boca tendo nas costas as carícias das mãos dele. Eles namoram enquanto o vento continua sua dança violenta nas árvores e assovios por dentro da grande casa. Os arrepios dela misturam paixão e frio enquanto a respiração vai mudando o compasso. Já passa das oito horas quando a temperatura dos dois já é quase capaz de causar suor. Teriam toda a noite ou talvez nem fosse assim.

-Não acredito... –Roberta se chateia.

-Não atende. –Diego volta a beijar sua boca de modo esganado e ela corresponde.

-Agora é o seu!

-Que a gente faz?

-Ai... –Roberta suspira se sentando. –Atende né!

 Após pegarem ambos os celulares veem que as chamadas em ambos são de Carla e Tomás.

-Lá vem problema... –Diego se aborrece antes de apertar para atender. –Fala mala!... Que?

 Roberta fica nervosa com o rosto de Diego que muda de figura imediatamente ao atender. O namorado fala e fala, mas nada que possa lhe mostrar o que realmente está acontecendo. Assim que ele desliga a notícia.

-O Pedro voltou.

-Que? Como? Quando? A Alice já sabe?

-Foi a primeira a saber.

-E como ela reagiu?

-Ignorou ele.

-Imaginei... Mas e ele?

-Parece que tem muito pra explicar, tá todo mundo na casa da Beth...

-Caraca...

-E nós?

-Nós vamos pra lá né!

-Jura? –Ele se decepciona.

-Diego! O Pedro é nosso amigo.

-Amigo inconveniente! –O rosto se vira emburrado.

-Ah... –Ela se aproxima com ar levado. –Depois a gente continua... Tá?

-Tenho outra opção?

-Tem. Me dar um beijo bem gostoso antes de eu me vestir...

 E com esse último carinho eles se separam do romantismo preparado para aquela noite. Ao sair do lado de fora, Roberta se encolhe agarrando firme os braços dele, o frio estava ainda pior do lado de fora e ela ainda estava com a roupa de mais cedo. O caminho até a saída estava acompanhado por um cenário feio, como se a noite não quisesse mesmo dar gosto a nada.

 Na casa de Beth a confusão é grande. Muitos curiosos querem ver Pedro, assim como os professores do apartamento de Vicente, além do próprio Vicente, os vizinhos e os amigos do colégio. Por fim, Beth consegue, depois de muito custo se despedir da maioria e dentro da sala, sobra somente Carla, Tomás e Pedro. A mulher exausta leva o filho mais novo, Raul, para o quarto e os deixa sozinhos.

-Acho que agora a gente pode conversar... –Tomas supõe. –Nunca vi ninguém ficar assim tão famosos por sumir. Onde você tava, Pedro?

-Eu...

-Não, espera. –Carla interrompe. –Diego e Roberta tão chegando, aí você conta pra todos nós juntos. Enquanto isso explica, o que houve com a Alice?

 E Pedro começa a contar os detalhes da conversa com a patricinha, que não está presente por um motivo que todos negam crer. Passa algum tempo até que Roberta e Diego chegam à Vila Lene para ouvir a história do amigo.

-Até que enfim! –Tomás abre a porta para eles.

-Pedro... –Roberta abraça o amigo e logo o repreende. –Seu maluco! Porque fez isso com a gente?

-É... –Diego parece mais chateado. –Passamos por muita coisa por sua culpa.

-Tá todo mundo chateado comigo? Não vai me dar um abraço, Diego?

 Roberta olha para o namorado que dá o braço a torcer. Está chateado por tantos motivos que queria fazer-se um pouco de difícil, mas era só fachada, a saudade do amigo em todos eles é grande, mas ainda assim queriam ouvir tudo. Não dispensavam que a verdade fosse dita e nos mínimos detalhes.

 Ele enfim abre um sorriso ainda irritado e abraça o amigo, que não demora o ouvir dezenas de perguntas desordenadas.

-Não querem que eu conte tudo do começo? É melhor que ficar respondendo esse monte de pergunta.

-Vai! Tá esperando o que então?

 E com a deixa de Tomás, o rebelde começa. A história era longa e os amigos estavam com muita vontade de discutir.

-Bom, vocês sabem do Bartolomeu?

-O cara do cassino.

-Isso. –Ele confirma Diego. –Ele me ofereceu uma oportunidade única de ganhar uma grana preta.

-E pra isso você teria que fugir e deixar todo mundo louco? –Roberta solta sem arrependimento.

-Não é isso Roberta! –Pedro se ofende. –Mas vocês não sabem o que é ser pobre!

-Eu sei tá? –Carla já avisa.

-Tudo bem, mas me diga, se você tivesse oportunidade de ganhar um dinheiro que nunca pensou ver na vida, também não iria?

 Carla fica em silêncio, pensando no que faria. Enquanto isso Pedro continua o relato.

-Ele me disse que eu tinha 5 minutos para decidir, tinha mais três caras que iam com a gente, eles já tinham aceitado e o barco estava pronto para nos tirar dali e nos levar para um navio ainda maior. Ele me disse que tudo sairia bem e que mandaria que falassem com a minha mãe.

-E você acreditou assim? –Tomás fica incrédulo.

-Ué! Eles ligaram pra ela na minha frente! Só depois eu descobri que estavam ameaçando minha mãe e por isso ela concordou. Soube também que ela não estava recebendo meus e-mails nem vocês!

-E você mandou?

-Claro, Carla! Eu contava tudo no e-mail e expliquei direitinho onde eu tava e o que tava fazendo.

-E o que você tava fazendo.

-Fui pro cassino, Roberta.

-E o que você fazia?

-Era croupier.

-Era o que? –Tomás ergue as sobrancelhas.

-Os caras que embaralham as cartas, Tomás!

-É mais ou menos isso, Diego. –Pedro continua. –Eu ajudava com isso e outras coisas que o Sr. Bartolomeu pedia.

-Mas achei que você voltava em um mês... –Carla lembra. –A gente foi saber de você e foi o que disseram.

-Eu descobri algumas coisas ilegais e caí fora. Tudo que envolve dinheiro é muito perigoso... Descobri as mentiras e exigi vir embora. Mas vocês tinham que ver como o Caribe é lindo. Eu queria muito que a Alice tivesse comigo...

-É, mas largou ela doidinha aqui... –Roberta cruza os braços e o olha recriminando. –Você vacilou com ela!

-Logo as coisas voltam ao normal galera.

-Tá achando que é fácil assim?

-Claro, agora é tudo fácil. –Ele recosta no sofá. –Já viram o relógio que eu ganhei? Foi um senhor muito rico que me presenteou. Coisa fina.

-A gente veio aqui pra isso? –Diego olha para a namorada, chateado.

 Roberta somente olha para ele com um olhar morteiro de puro tédio, concordando que não acredita que deixaram uma noite de namoro para ouvir aquilo.

 E todos os amigos se olham, vendo o deslumbre de Pedro com a pequena “fortuna” que havia feito. Estava se achando e se perdendo à volta de seu umbigo, sentindo que tinha uma capa de super-homem feita pela superioridade que o dinheiro ilude em todos. Triste é perceber algum dia que mesmo se pudermos comprar a capa e até o olhar de herói ainda assim nos faltaria o voo, o dom dado gratuito às aves e não a nós.

 Diego leva Roberta para casa e assim que chegam ela o chama para entrar um pouco. Passam a pé pelo jardim, de mãos dadas e conversando. O jardim denso que cultiva hortênsias lilases com a luz prateada dos pequenos postes por cima permitia o desejo de caminhar bem mais devagar.

-Não fica com essa cara... –Ela encosta a cabeça em seu ombro e puxa seu braço.

-Hum... Você viu o jeito do Pedro?

-Tá outra pessoa.

-Tá metido... –Diego chuta uma pedrinha que encontra no caminho.

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